Por Lucas Júnior (*)
Colombo era uma prestigiada confeitaria de Fortaleza,
marcada pela rigidez na fiscalização, com segurança, mas que possuía um lado
social raro para a época: distribuía os produtos não consumidos à noite, quando
fechava. Os beneficiados eram os pedintes e os guardas noturnos, que não
pegavam a fila. Certa vez adentrou na loja um jovem de rara presença. Usava um
terno de veludo marrom, chapéu de abas largas, mesmo com um furo, e luvas. Um
exemplo da moda londrina. Uma beleza e elegância contrastada com uma barba
enorme, crespa e cabeleira. Procurou saber a despesa das empadas e foi
informado que naquela hora o expediente estava encarrado, não se cobrava. Comeu
mais uma dúzia, lavou a boca, enxugando-se com a toalha suja do dia, agradeceu
e partiu.
José de Abreu Albano era neto do Barão de Aratanha, mas se
distanciava dos familiares. Sua adolescência, após o Seminário da Prainha, foi
marcada por estudos em escolas jesuítas, cristãs, na Europa, amando a
literatura e aprimorando idiomas, o que lhe valeu emprego no Rio, capital,
inclusive no Ministério das Relações Exteriores, após desistir do curso de
Direito. Mas José Albano gostava mesmo era de poesia. E as palavras, em prosas
e versos, justificava a sua impaciência, de viver como cigano, engajando-se na
austeridade do lirismo. Graça Aranha o chamava de "Poeta Louco";
Olavo Bilac de "guarda civil da língua portuguesa", e Manoel Bandeira
o enquadrava entre os nossos dez maiores poetas. De admirável técnica inspirada
no renascentismo italiano, era, porém, pessimista: "Faço versos para
ninguém porque nem a mim agradam".
Casou com a filha do prefeito Guilherme Rocha, conquistando-a
poeticamente, como escreveu no leque de Gabriela: "Quando a palavra foge
da mulher ou quando a mulher esquece a palavra toda a alma está na pupila que
brilha, todo o coração no lábio que suspira". Volta para Londres com a
família, onde abandonou emprego para percorrer a Europa. Paris era a sua
idolatria. Ali viveu de livros e de escrita. Em 11 julho de 1923, sozinho num
hospital de Montauban, França, imerso no mundo dos seus sonhos, partia o poeta
José Albano. Cadeira n° 19 da ACL, lá se encontra a sua foto, como se
tivesse saído naquela noite da confeitaria da cidade que o saúda no centenário da
sua morte.
(*) Pesquisador e memorialista.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/07/23. Opinião, p.20.
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