O "istucioso", o
"imperoso" e o buliçoso
"Deus
vos salve casa santa / Onde Deus fez a morada..." Assim eu aprendi a
cantar, tempos de trás, quando "tirava Reis" na vizinhança de São
Gerardo, violonado pelo saudoso Sardinha. Ganhávamos de um tudo, plena
madrugada. Muitas doações (vinho, pão, leite, doce...), menos pela música, mais
por estancar-se a perturbação àquela hora de uma segunda-feira.
Sobre
a música "Deus vos salve a casa santa", o amigo Assis da Visão
contou-me uma boa. Estava com amigos no Itapebussu, em demanda de Reis, e o
bebinho da corriola, demais empolgado, toma a frente do cantador oficial e,
"istucioso" (astucioso), chibateia poética enviesada:
-
Deus vos salva Santa Casa...
"Imperoso"
(cheio de moral), o velho Socó, agarrado à sanfona, mordido com a intromissão
do que se fizera cantor, não deixou barato:
-
É "Deus vos salve casa santa", bebo fí duma égua! Santa Casa é onde
teu pai tá internado!!!
Fimose
Na
roda de amigos formada, há tempos não se viam, a cada um a palavra para
comentários de si. Já de boa idade, todos ali, doenças e dificuldades eram
pauta singular. Zé Peixoto contou do glaucoma contraído, explicando científico
que diabo era aquilo; Eneida, das varizes, foi cirúrgica ("doem-me essas
veias dilatadas e tortuosas"); João Gangão, do AVC que assustou, foi
preciso: "Vasos entupidos paralisaram-me o 'quengo' cerebral".
Chegada
a vez de Jair Moraes, quedê ele se lembrar da cirurgia para a retirada do
excesso de pele que recobre o pênis, dificultando que a glande seja exposta? A
felicidade é que, antes dele, Jotinha falou do recente procedimento que fizera
para diagnosticar doença cardíaca, com introdução de cateter. Jair pegou
carona, cuspindo o que lhe veio à cabeça:
-
Tá marcado pra semana o meu "caceterismo"...
De "aí dêntu" em
"aí dêntu"...
A
Grande Enciclopédia da Fala Cearense (indicada para leitura nos cometimentos
defecativos) assinala que "Aí dêntu!", corruptela de "Aí
dentro!", significa "Lá!", "Vá se lascar!", "Ô
bicho mentiroso!", "Taquiiiiiiiii, ó!" De modo mais enfático,
aplique-se a potência do "Aí dento nessa lóca de jumento!", se se
quer tirar do ramo o interlocutor. Em tempo: "Até o tronco" é outro
departamento.
E
aí o buliçoso Antônio Luiz Mainha conta que eram 32 crianças na festinha de Natal
do casal Zé Mário e Olivinha. 31 receberiam, cada uma, bola de futebol das mãos
do Papai Noel. Apenas uma ganharia o táblete zero bala. Quem, o felizardo? O
cabinha estudioso da esquina, que tirou 10 em Matemática o ano todo.
Conforme
relato do amigo Luiz, o Santa Claus desengonçado, três lapadas de cana na
cabeça, tinha feito já as entregas das bolas quando por último, apoteótico,
passaria às mãos do bonzão dos números o computador portátil. Nesse instante, a
professora da escola informa a seu Zé Mário que o ganhador não era aquele, mas
um outro menino ali. Papai Noel logo recebeu ordem para desfazer o engano. Foi
até o bruguelo da ruma de 10, com a bola do outro na mão, crente que desfaria o
engrolado...
-
Filho, hô, hô, hô, hô! Foi mal! Desculpa aí! Tome essa bola aqui e me dê o
táblete!
-
Conversa é essa uma hora dessa?!?
-
É que rolou pequeno engano, o tablete é praquele ali, ó! Dê cá o negócio aí!
-
Aí dêntu, Papai Noel!!!!!!
Dizem
até que o menininho mandou o bom velhinho pra casa do chico.
Fonte: O POVO, de 28/07/2023. Coluna
“Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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