quinta-feira, 14 de setembro de 2023

CHEIRO DE PRECONCEITO

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

… O preconceito é uma catinga. Péssimo odor exalado pelo corpo suado; inhaca; catinga de roupa usada; um tecido com fedor de comida estragada…

Em se tratando de discriminação, tenho mais de cinco mil anos de experiência, e observo, com apreensão, a mídia tornar-se – mais uma vez – preconceituosa contra o nordestino.

Contrariamente aos da minha região, sou alto, possuo olhos azuis e o que restou da minha vasta cabeleira se apresenta mais próximo do castanho. Quando fiz a residência médica no Rio de Janeiro (em 1959), as pessoas achavam engraçado um sujeito alto e louro falar como um nordestino. Duas primas minhas cariocas, inclusive, estranhavam aquele sotaque. Uma delas dizia: “Se não abrir a boca, vão até pensar que você é daqui do Rio ou de São Paulo. Credo! Você fala arrastado… Parece até com o porteiro do edifício, o cearense”.

Também aturei “brincadeiras” dos colegas do hospital, das primeiras namoradas cariocas e durante minhas poucas noitadas no Rio. Vez por outra, ouvia alguns frequentadores do bairro boêmio da Lapa dizerem uns para os outros: Lá vem aquele doutorzinho galego que fala nordestino!

Eu trabalhava com afinco e o Chefe da Especialidade demonstrava interesse para que eu permanecesse como seu assistente. Quando estava tudo acertado, veio visitar o Serviço de Pediatria o Professor Antônio Figueira, Catedrático de Puericultura no Recife. Reconhecendo-me, falou baixinho: “Volte para Pernambuco, lá é sua terra! O Recife precisa de gente como você, gente nova e bem treinada!” E eu voltei!

Quando saiu publicada na revista Veja uma matéria sobre o Homem Guabiru (o nanico nutricional), que versava sobre o livro Nordeste Pigmeu, de minha autoria, fui convidado por Jô Soares para ser entrevistado em seu programa. No entanto, recusei o convite: não me apetecia fazer gracinhas com a região em que nasci. No presente, requentando um assunto já tão antigo, quando a mídia volta a culpar o nordestino pelos males do país, como judeu que sou, além de ser ainda nordestino, volto aos meus cinco mil anos de experiência em discriminação e advirto os leitores: basta, somente, um pouquinho de cheiro de fumaça, para eu sentir a presença de preconceito.

E como o preconceito cheira mal!

O preconceito é uma catinga. Péssimo odor exalado pelo corpo suado; inhaca; catinga de roupa usada; um tecido com fedor de comida estragada.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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