Por Sérgio Pinto
Monteiro (*)
Há setenta e cinco anos um pelotão do Regimento
Sampaio escreveu, nos campos de batalha da Itália, páginas gloriosas da
história da Força Expedicionária Brasileira. Seu comandante era o
primeiro-tenente da reserva convocado Apollo Miguel Rezk.
Apollo nasceu no Rio de Janeiro em 9 de fevereiro de
1918. Era filho de imigrantes: pai libanês e mãe síria. Fez seus estudos no
Colégio Pedro II. Em 1935 tentou, sem êxito, entrar para a Escola Militar do
Realengo. Seus pés planos e uma reprovação em Física impediram a realização do
sonho de ingressar na carreira militar.
A idade de prestação do serviço militar obrigatório
conduziu o jovem Apollo ao CPOR do Rio de Janeiro. Aprovado nos exames médico,
físico e intelectual, após os três anos do curso do CPOR foi declarado
Aspirante a Oficial da Reserva e classificado em 10º lugar entre os setenta
concludentes da Arma de Infantaria, turma de 1939.
Em 1940 formou-se Perito-Contador na Escola Superior
de Comércio do Rio de Janeiro. No ano seguinte foi convocado para realizar o
Estágio de Instrução no Regimento Sampaio, promovido a segundo-tenente e
desligado do serviço ativo do Exército. Em 1942 foi convocado para o Estágio de
Serviço, novamente no Regimento Sampaio. Estudioso, concluiu em 1943 o
bacharelado em Ciências Econômicas na Faculdade de Administração e Finanças da
Escola de Comércio do Rio de Janeiro. Ainda nesse ano foi promovido a
primeiro-tenente e convocado para a Força Expedicionária Brasileira, já em fase
de formação e adestramento.
O tenente Apollo embarcou para a Itália como oficial
subalterno, comandante de pelotão da 6ª Companhia do II Batalhão do Regimento
Sampaio. O 2º escalão da FEB seguiu para o Teatro de Operações no navio
transporte de tropas americano “U.S. General W. A. Mann”, que partiu do armazém
nº 11 do porto do Rio de Janeiro em 22 de setembro de 1944, ancorando em
Nápoles no dia 06 de outubro.
Na noite de 23 e madrugada de 24 de fevereiro de
1945, atuando em apoio à 10ª Divisão de Montanha americana no ataque a La
Serra, o pelotão comandado pelo tenente Apollo, após ultrapassar um extenso
campo minado, atacou as posições fortificadas alemãs. Apesar do intenso fogo
inimigo, o pelotão Apollo cercou o objetivo, investiu contra a posição e pôs em
fuga os alemães, fazendo inicialmente cinco prisioneiros. Ferido em combate por
volta das 23 horas, o tenente Apollo, cercado e contra-atacado, manteve a
posição durante toda a madrugada e manhã do dia 24. Por esta missão foi
condecorado pelo governo americano, em 19 de maio de 1945, com a “Distinguished-Service Cross”, único brasileiro agraciado com essa medalha de
bravura, a segunda mais importante dos Estados Unidos.
“...
por heroísmo extraordinário...a despeito de campos de minas desconhecidos,
terreno excessivamente difícil e forte oposição, o primeiro-tenente Rezk
conduziu galhardamente os seus homens através de uma cortina de fogo de
metralhadoras, morteiros e artilharia, para assaltar e arrebatar o objetivo do
inimigo. Embora gravemente ferido quando dirigia o ataque, o primeiro-tenente
Rezk nunca hesitou: pelo contrário, continuou firmemente o avanço...repeliu
três fortes contra-ataques, infligindo pesadas perdas aos alemães pela sua
habilidade na condução do tiro. Depois, embora em posição vulnerável ao fogo
das casamatas do inimigo circundantes e a despeito das bombas que caiam e da gravidade
dos seus ferimentos, o primeiro-tenente Rezk defendeu resolutamente La Serra
contra todas as tentativas fanáticas dos alemães para retomar a posição. Pelo
seu heroísmo, comando inspirado e persistente coragem, o primeiro-tenente Rezk
praticou feitos que refletem as mais altas tradições do serviço militar.”
(tradução de trechos do documento original em inglês feita pela Seção Especial
do Comando da FEB).
O comandante da FEB, General João Baptista
Mascarenhas de Moraes, em Citação de Combate de 09 de abril de 1945, assim se
manifestou quanto às ações do tenente Apollo na conquista de La Serra:
“...
a personalidade forte, o espírito de sacrifício, a combatividade, a tenacidade,
o destemor do tenente Apollo constituem belos exemplos, dignos da tropa brasileira.”
Anteriormente, graças ao seu desempenho no ataque a
Monte Castelo em 12 de dezembro de 1944, o tenente Apollo já havia sido
agraciado pelos Estados Unidos com a medalha “Silver Star”. Terminada a Campanha da Itália, o
tenente Apollo recebeu quatro condecorações brasileiras: Cruz de Combate de 1ª
Classe, Medalha de Sangue, Medalha de Campanha e Medalha de Guerra.
Quando da promoção do tenente Apollo ao posto de
capitão, em 3 de setembro de 1951 (retroativa a 1947), assim se expressou o
Ministro da Guerra no despacho em que deferiu a proposta:
“Deferido.
A promoção se justifica, sobretudo, em virtude da conduta excepcional desse
Oficial no Teatro de Operações da Itália, onde, entre diversas condecorações
recebidas por bravura, lhe foi conferida a medalha “Distinguished-Service
Cross” do Exército Americano, por heroísmo extraordinário em ação, distinção
máxima somente concedida a este combatente brasileiro...”
O destino, que no passado não permitira ao jovem
Apollo a realização do sonho de ingressar na carreira militar através Escola do
Realengo, ainda haveria de, novamente, pregar-lhe outra uma peça. A tão sonhada
carreira, que finalmente lhe chegara, não pela via da Escola Militar, mas
através do CPOR e da própria guerra, como também, e principalmente, por sua
bravura e eficácia no cumprimento do dever, seria interrompida precocemente.
Seus pés planos não resistiram ao esforço do combate e ao congelamento nas
trincheiras da Itália. O capitão Apollo, em 12 de dezembro de 1957, aos 39
anos, depois de vinte anos no exército, foi julgado inapto para o serviço ativo
e reformado no posto de major.
Conheci o nosso herói já no ocaso da sua vida. Era
um bravo. Foram muitos sábados e domingos de intermináveis conversas. Jamais o
major Apollo admitiu o seu heroísmo. Pessoa simples, culta e educada era,
sobretudo, um gentleman. Absorvi, voraz e intensamente, cada relato de suas
ações na guerra. O exército era realmente a sua paixão. E a Pátria, o seu bem
maior. Ficamos amigos, o que me enche de orgulho e gratidão.
A nação perdeu, em 21 de janeiro de 1999, um filho
exemplar. E o exército viu partir um de seus grandes guerreiros. A filha Nádia
comunicou-me o falecimento do pai pela manhã, bem cedo. Desloquei-me
rapidamente para a sede do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva, no quartel
do CPOR/RJ, de onde fiz os contatos relativos ao passamento do major Apollo.
Enviei um necrológio aos jornais, avisei ao CCOMSEx, aos comandantes do
Regimento Sampaio e do Batalhão de Guardas - onde ele servira no após guerra -
bem como à embaixada dos Estados Unidos, já que era ele detentor de duas
condecorações americanas. Informei, também, à comunicação social da presidência
da república e aos governos estadual e municipal do Rio de Janeiro.
O sepultamento foi no cemitério do Caju. Presentes,
familiares, ex-combatentes da FEB e amigos do nosso herói, bem como quase uma
centena de oficiais R/2 que formaram uma Guarda de Honra. Um pelotão do
Regimento Sampaio executou as honras fúnebres. O governo americano enviou, de
Brasília, um oficial superior, fardado, para representá-lo. Os governos
federal, estadual e municipal não enviaram representantes, nem formularam
condolências à família enlutada. Jamais esquecerei o constrangimento que senti
ao ouvir o oficial americano dizer aos filhos do major Apollo:
“...
Eu não entendo vocês brasileiros. Na minha terra, alguém com as importantes
condecorações de guerra do major Apollo, teria recebido, ao longo de sua vida,
as homenagens, o respeito e a gratidão do seu povo.”
Na tristeza daquele momento, assumi, intimamente, o
compromisso - como missão - de divulgar a história do major Apollo. Nesses
vinte e um anos desde o seu falecimento, tenho viajado pelo nosso país
ministrando palestras - nos meios militar e civil - relatando os seus atos de
bravura e heroísmo. O meu livro “O Resgate do Tenente Apollo”, escrito em
parceria com o tenente R/2 Orlando Frizanco, está com 2ª edição em preparação.
O Conselho Nacional de Oficiais da Reserva criou a Medalha Major Apollo Miguel
Rezk, para homenagear personalidades que se destaquem no apoio às Associações
de Oficiais da Reserva.
Um dos desejos não realizados do herói era ser
promovido ao posto de tenente-coronel, a exemplo de alguns de seus companheiros
que obtiveram a promoção por via judicial. Quem sabe o Exército Brasileiro, ou
mesmo o Congresso Nacional, lhe concedam, ainda que tardiamente, essa honraria,
como derradeira homenagem, já que em vida não logrou recebê-la sob a forma de
promoção por bravura, o que teria sido, inquestionavelmente, um ato de inteira
justiça.
Os feitos do tenente Apollo ultrapassaram os limites
de sua existência física. Na verdade, já não mais lhe pertenciam quando,
naquela madrugada de 21 de janeiro de 1999 foi vencido pelo inexorável. São
episódios gloriosos da história militar de um país que teima em não cultuar
seus heróis.
A Força Expedicionária Brasileira - e seus bravos -
não pode ser esquecida. Ela simboliza a pujança e o valor de um povo. A nação
lhes deve eterno respeito e imorredoura gratidão.
(*) O autor é historiador, oficial da reserva do Exército, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, da Academia Brasileira de Defesa e do Instituto Histórico de Petrópolis. É Patrono, fundador e ex-presidente do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva. É o atual presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Veteranos da FEB.
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