Por Izabel Gurgel (*)
Vi primeiro o quarador de carimã. Um apuro a fina flor da mandioca
puba tomando banho de sol no terreiro da Dona Sé. Depois vi Dona Sé.
Ela é da Mangabeira. Nasceu lá a 10 de março de 1950. De batismo,
Sebastiana, filha de Maria Inácio Rodrigues e Raimundo Lourenço do Nascimento.
Os nomes estão corretos, Claudinei?
A Mangabeira fica entre Marinheiros e a Praia da Baleia, digamos
assim, perigando não dizer bem. Mas você acha fácil, fácil, perguntando em uma
casa e outra, parando alguém no caminho.
A Lagoa da Mangabeira é um dos seres vivos do lugar. Um dos modos
da água irrigar os sertões-mar de Itapipoca. Uma escuta mais sensível nos diria
das lagoas Grande, do Mato, Humaitá nos caminhos líquidos de tantos nomes e
percepções acumuladas em um tempo maior, mais vasto, do que o contável por nós.
Tempo, sabemos sentindo, que sempre nos antecede e nos ultrapassa. A gente,
você e eu, não mais do que uma dobra feita pelo vento na superfície da água.
Dona Sé mora na Copaba. Dá um google e você vai achar Cooperativa
de Pesca Artesanal da Baleia. Virou nome próprio. Batiza uma área às margens do
asfalto entre a sede do município e a praia. É sábado. Crianças brincam à
frente das casas. Tem um pote de barro, com torneira, aboletado na árvore:
"é pra lavar as mãos", diz Dona Sé, bem ao lado da base do churrasco
do Junior, um dos sete filhos vivos dos oito do casal Sé e Zé Timbau. Ele
levava no nome seu lugar de nascença. Conta o filho Claudinei, professor da
escola do campo Nazaré Flor, no quase vizinho assentamento Maceió. Zé veio da
praia de Tibau. Tem mais gente nas redondezas que veio das praias do Rio Grande
do Norte.
Manhã de sábado é bem bom para passar na casa dela. Dona Sé faz
bolo. Anunciação de café com fartura. Pé-de-moleque de carimã, grude
transparente feito gelo, bolo de milho. Tudo estampado de côco tirado do pé.
Tem mais cheiros: cravo, erva doce. Do terreiro ao quintal, deslocamento bonito
de fazer, a gente vai enlaçada na conversa fiada. Bem fiada e tecida. Dona Sé
conta e escuta de olho aceso, como o forno a lenha, nos fundos da casa. Tem
galinha passeando. De laço de fita vermelha, Branquinho, filhote de carneiro,
não sabe se fica com as crianças, brinca de ser cachorro ou segue a conversa.
Dona Sé floresce a cada corte no bolo. Desenha bem o talho do
beiju. Faz o que faz como uma ponte entre mundos: "O povo mais novo diz
'vou levar para minha avó'''. A bem dizer, uma oração ao tempo. A carimã
recém-nascida tomando sol é tratada com "o maior cuidado para não cair um
cisco". Seca, conserva-se melhor na geladeira. "Aqui em casa é o
sertão. É praia mas é o sertão", diz Dona Sé, entre uma oferenda e outra.
A prosa, a manhã, o fogo e a faca, Dona Sé tudo conduz com maestria. É uma
mestra de si.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/09/23. Vida & Arte, p.2.
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