sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Crônica: “O ser humano e a cera humana” ... e outros causos

O ser humano e a cera humana

Haviam terminado o almoço de feijão com toicinho. Hora de descansar. Esparramados em papelão no chão da praça da Matriz de Vila União, puseram-se a prosear - miolo de pote puro. Jair Moraes recosta a cabeça no cavaquinho ganha-pão; Michael Jackson, zabumbeiro, num cepo de algaroba. Rola papo interessante, se imaginarmos que os dias atuais nos roubam tempo preciosos para besteiras que desafogam e felicitam, preenchendo vazios.

- Michael, vê aquele cachorro sentado no banco?

- Sim, é Leão, do Caboco do Ôi Cego.

- Queria saber o que se passa pela cabeça dele nesse exato momento!

- Não sou bom de cachorro, mas, pela posição do rabo, deve estar pensando em alguma cachorrada.

- E aquele gato lavrado, perto da 'estauta', tará pensando em quê?

- De gato entendo marrumeno. Deve estar pensando na gata dele.

- E a galinha pedrês, ciscando no chão da gangorra?

- Ah, Jair! Desculpa, tá? De galinha eu sou um zero à esquerda!!!

Adormecem. 14 horas, bocejando, retomam o converseiro. Michael agora indagando.

- Jair, quer que eu te diga o que tu tá pensando agorinha mesmo? Quer?!?

- Hômi! Se tu num sabe o que passa na cabeça duma galinha, o que dirá dum cristão!!!

O vereador fala, a mulher se vinga

Casal brigado a ferro e a fogo há uma semana. E o pior: ele era vereador, representante do lugarejo. E era tempo de eleições. E tinha comício à noite no Parque de Exposições. E até o prefeito, agora coligado, lá estaria. E a mulher, sem largar o pé dele, pela raparigagem que o celebrizava, demais sedenta por fazer o marido passar vexame. Comprometia-se, ela, consigo.

- É hoje que eu me vindo desse fulerage! 

E lá está o parlamentar no palco, rodeado de autoridades, a discursar inflamado.

- Seu prefeito, você 'ouce' essas coisas da oposição, mas a verdade é que... Sobre aquela passagem molhada que o povo transformou em praia, eu diria que... E as escolas que servem coxão de moça na merenda? De certeza nós iremos...

E a mulher ali ao lado, braba toda, num pé e noutro pra dar o bote. Procura brecha em que possa se meter na conversa e lascar o marido em banda, humilhando o póbi na frente de todos. A hora chegou; era já finalzinho da fala do vereador, que se desculpava do cansaço.

- Bem, senhoras e senhores, este 'ser humano' que vos fala...

Ela pula no microfone dele, toma-lhe a frente e dispara com gosto de gás.

- E eu? Esta 'cera humana' corna e maltratada?

Promessa extemporânea

Cumpade, encharcado de cana (seis meses ininterruptos na bruta), decide dar um tempo na pôdi. O anúncio será dado neste domingo, cedinho, no Bar dos Papudim. Já tem colega no pedaço, quando ele chega, crente que vai abafar.

- Turma! Com o coração partido, digo-lhes que darei uma parada nas birita nesse dia 3 de setembro e só voltarei daqui a um mês!

- Estrategicamente equivocado, parceiro! - retrucou um companheiro.

- Como assim, colega?

- Parar hoje não é legal. Quinta-feira, 7 de setembro, é feriado nacional - dia cívico de mel. Deixe pra parar na segunda-feira, 11 de setembro.

- Se explique-se! - pede o garçom.

- Se vai parar um mês, fica sem melar o bico até 11 de outubro. E volta no feriado do dia 12 de outubro, tinindo!

- Gênio! Tá é feito! Viva o 7 de setembro!

Fonte: O POVO, de 8/09/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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