O ser humano e a cera humana
Haviam
terminado o almoço de feijão com toicinho. Hora de descansar. Esparramados em
papelão no chão da praça da Matriz de Vila União, puseram-se a prosear - miolo
de pote puro. Jair Moraes recosta a cabeça no cavaquinho ganha-pão; Michael
Jackson, zabumbeiro, num cepo de algaroba. Rola papo interessante, se
imaginarmos que os dias atuais nos roubam tempo preciosos para besteiras que
desafogam e felicitam, preenchendo vazios.
-
Michael, vê aquele cachorro sentado no banco?
-
Sim, é Leão, do Caboco do Ôi Cego.
-
Queria saber o que se passa pela cabeça dele nesse exato momento!
-
Não sou bom de cachorro, mas, pela posição do rabo, deve estar pensando em
alguma cachorrada.
-
E aquele gato lavrado, perto da 'estauta', tará pensando em quê?
-
De gato entendo marrumeno. Deve estar pensando na gata dele.
-
E a galinha pedrês, ciscando no chão da gangorra?
-
Ah, Jair! Desculpa, tá? De galinha eu sou um zero à esquerda!!!
Adormecem.
14 horas, bocejando, retomam o converseiro. Michael agora indagando.
-
Jair, quer que eu te diga o que tu tá pensando agorinha mesmo? Quer?!?
-
Hômi! Se tu num sabe o que passa na cabeça duma galinha, o que dirá dum
cristão!!!
O vereador fala, a mulher se
vinga
Casal
brigado a ferro e a fogo há uma semana. E o pior: ele era vereador,
representante do lugarejo. E era tempo de eleições. E tinha comício à noite no
Parque de Exposições. E até o prefeito, agora coligado, lá estaria. E a mulher,
sem largar o pé dele, pela raparigagem que o celebrizava, demais sedenta por
fazer o marido passar vexame. Comprometia-se, ela, consigo.
-
É hoje que eu me vindo desse fulerage!
E
lá está o parlamentar no palco, rodeado de autoridades, a discursar inflamado.
-
Seu prefeito, você 'ouce' essas coisas da oposição, mas a verdade é que...
Sobre aquela passagem molhada que o povo transformou em praia, eu diria que...
E as escolas que servem coxão de moça na merenda? De certeza nós iremos...
E
a mulher ali ao lado, braba toda, num pé e noutro pra dar o bote. Procura
brecha em que possa se meter na conversa e lascar o marido em banda, humilhando
o póbi na frente de todos. A hora chegou; era já finalzinho da fala do
vereador, que se desculpava do cansaço.
-
Bem, senhoras e senhores, este 'ser humano' que vos fala...
Ela
pula no microfone dele, toma-lhe a frente e dispara com gosto de gás.
-
E eu? Esta 'cera humana' corna e maltratada?
Promessa extemporânea
Cumpade,
encharcado de cana (seis meses ininterruptos na bruta), decide dar um tempo na
pôdi. O anúncio será dado neste domingo, cedinho, no Bar dos Papudim. Já tem
colega no pedaço, quando ele chega, crente que vai abafar.
-
Turma! Com o coração partido, digo-lhes que darei uma parada nas birita nesse
dia 3 de setembro e só voltarei daqui a um mês!
-
Estrategicamente equivocado, parceiro! - retrucou um companheiro.
-
Como assim, colega?
-
Parar hoje não é legal. Quinta-feira, 7 de setembro, é feriado nacional - dia
cívico de mel. Deixe pra parar na segunda-feira, 11 de setembro.
-
Se explique-se! - pede o garçom.
-
Se vai parar um mês, fica sem melar o bico até 11 de outubro. E volta no
feriado do dia 12 de outubro, tinindo!
-
Gênio! Tá é feito! Viva o 7 de setembro!
Fonte: O POVO, de 8/09/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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