Por Izabel Gurgel (*)
Venha comigo. Vamos pelos becos e ruas de Canoa Quebrada.
Caminhando, experimentamos uma rota das artes visuais em Canoa Quebrada.
Ancora-se nos mais de 150 grafites a céu aberto do projeto Canoa em
Cores. De feitura coletiva, os grafites começaram uma troca sensível: ocupar
com pintura áreas na via pública que acumulam lixo.
A rota ativa uma rede sensível de pontos de memórias, da memória do
lugar. Dá para apreciar de pertinho pinturas do 'nativo' Niciano (1957-2003).
Dá para perceber casas de mulheres que fazem a renda bordada ou o bordado
rendado de nome labirinto, as labirinteiras.
O povoado de "Homens no mar, pescadores / Mulheres na terra,
labirinteiras", no dizer do poeta Zé Melancia (1909-1977), tem hoje cerca
de cinco mil habitantes. Além dos acervos de grafites e pinturas de Niciano,
uma rota das artes visuais integra obras de artistas como o escultor Odonézio.
Tem painéis de Toinho Maia, um mestre da pintura com relevo. Filhos, netos,
irmãos, maridos de labirinteiras.
Tem mais artes no caminho. Você vai logo perceber o caráter de
constelação do percurso. Um encontro com a vida do lugar. Convido para ir
devagar, parar aqui e ali. Para ver Niciano diretamente na parede do Bar da Tia
(uma parada). Para ver Babuda fazendo renda, ofício que aprendeu criança, e ver
o que Odonézio cria a partir da madeira. A casa de Babuda e Odonézio, a casa de
Berenice, a casa das filhas de Dona Agripina, povoadas por histórias de renda e
rendeira.
Com intensos fluxos de visitantes, Canoa vive mudanças as mais diversas
desde a década de 1980. O labirinto entre as dunas e o mar era percorrido a pé.
O atual desenho urbano deixou invisível na paisagem o acervo de um artista como
Niciano, de larga produção nos anos 1980-1990. Não só. Rendeiras e a vida
comunitária também. O trabalho de Niciano mostra como ele via o lugar. Pintava
'na pele' de Canoa, nas paredes, portas e janelas das casas, e em suportes
variados: telas, papel, caixas de fósforo etc.
Mauro Oceans nasce na vila já ímã de forte atração turística,
cresce entre rendeiras. Ativista, fez do grafite um modo de cuidar do espaço
comum. Iniciativa dele, Canoa em Cores não cessa de se atualizar.
Em 2017, comecei a procurar as rendeiras do lugar, guiada pela
líder comunitária Valdênia Barqueiro dos Santos. Uma rota das artes visuais se
materializava nos caminhos que fiz trabalhando junto ao Festival Alberto
Nepomuceno. Uma experiência Canoa interligando casas de rendeiras e obras de
artistas visuais canoenses, de visitantes tornados habitantes ou que só
passaram pelo lugar.
Imagino a rota no cotidiano de habitantes. Para visitantes, é um
convite-caminho para uma imersão no lugar. A rota é um movimento em
deslocamentos pequenos e acessíveis e, como a renda, entrelaçados. Reparar nas
artes visuais no rastro das rendeiras, fontes-geradoras e narradoras, ancora e
ao mesmo tempo expande a relação com o território. Labirinto Canoa, museu ao ar
livre, afirma as mulheres na invenção do lugar e sua sustentação cotidiana.
Andar potencializa o encontro. Andar é da ordem de aprender
sentindo, devagar, devagarinho.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 1º/10/23. Vida & Arte, p.2.
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