Aí, por volta de 1970, na Faculdade de
Medicina, da Universidade Federal do Ceará (UFC), assim como em qualquer
instituição superior, havia um aluno, aqui rotulado de Francimar (nome
fictício), que parecia ser um fronteiriço mental, por suas limitações
compreensivas.
Na época, o Hospital das Clínicas da UFC dispunha
de pequenos armários individuais, para uso dos internos, que neles guardavam
alguns apetrechos: artigos de higiene pessoal, livros, estetoscópio, batas etc.
Em caráter especial, acadêmicos de outros anos que justificassem a necessidade
de contar com tal facilidade, por morar longe e ter que permanecer o dia todo
na faculdade, por exemplo, poderiam ser contemplados. Francimar era um desses
casos.
Como há sempre um chinelo para um pé doente,
Francimar tinha um bem-querer, a Lurdinha (nome fictício), que ele tratava de
propagar aos quatro ventos, como sendo a paixão da sua vida: era Lurdinha, pra
cá e pra lá; e de tanto falar da amada, acabava ficando um chato, perante os
colegas, que decidiram aprontar uma peça com ele.
Para tristeza de Francimar, apareceu no seu
armário um bilhete, com os dizeres:
– Francimar, eu estou namorando a Lurdinha!
Assina: o Sombra.
De posse do bilhete, sentindo-se injuriado
com a ofensa, parte o Francimar para a investigação, feito um Sherlock Holmes,
a conferir a letra do bilhete com as contidas nos cadernos dos seus colegas de
turma.
O trabalho foi em vão, porque não
identificou o responsável, e o Sombra, um personagem de uma afamada novela
televisiva da provinciana Fortaleza, que usava esse pseudônimo, para expedir
missivas eivadas de futricas, voltou a atacar:
– Francimar, eu estou agarrando a Lurdinha!
Ela é bem gostosa! Assina: o Sombra.
Dessa vez, desconfiado de que alguma colega
estivesse em conluio com os rapazes, ele passou a conferir os cadernos das
colegas, nada encontrando que pudesse apontar a culpada. Intuiu que algum
colega possuía a chave do cadeado e tratou logo de substituir por um cadeado um
pouco maior.
A medida foi infrutífera, porquanto, no dia
seguinte, encontrou no dito armário mais um bilhete fulminante:
– Francimar, eu “papei” a Lurdinha! Ela é
muito boa de cama! Assina: o Sombra.
Isso o deixou transtornado. Para ele, a
Lurdinha era pura, virgem, e não permitia sequer que ele avançasse o sinal.
Eles iam só um pouco mais do que o pegar na mão. Insatisfeito, pensou em
procurar a direção da Faculdade de Medicina, para tomar as providências
cabíveis, para proteger a sua honra e a integridade moral da Lurdinha.
Cogitando que o “Sombra” também teria uma
cópia da chave do novo cadeado, substituiu o segundo cadeado por outro, de
avantajado tamanho, para impedir que o “infame” abrisse o seu armário, para pôr
as citadas aleivosias, assacadas contra o amor da sua vida.
Os seus colegas, envolvidos com a trama, já
um tanto fartos com a repetitiva gozação, decidiram aplicar um ponto final no
episódio, arrombando o enorme cadeado.
Para ser franco, a limitação mental do
pseudo Sherlock o impedia de entender que as generosas frestas da porta do
armário tinham espaço suficiente para que os bilhetes, escritos por um
funcionário administrativo da universidade, fossem dispostos no seu interior,
independente de qualquer violação de fechadura ou cadeado.
Marcelo Gurgel Carlos
da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos Escritores
Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza:
Edição do Autor, 2022. 144p. p.48-49.
* Republicado In: In: SILVA, M.G.C. da. AMC. Causo médico: os
bilhetes do Sombra. Informativo AMC
(Associação Médica Cearense). Abril de 2023 - Edição n.21, p.18 (em pdf).
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