A diferença matemática entre
mastigar e engolir
Dentes
naturais, tinha já 12 anos que Adroval não os tinha mais. Pra falar a verdade,
estar “banguelo” não era problema pra ele, pois se fiava que o trabalho —
cuidar do gado — não carecia de dentes, de vera ou postiços.
-
Tô aqui pra morder ninguém! Como raspado, triturado ou cortado os “moim”. Minha
gengiva, meu canino!
A
cisma da resistência às dentaduras veio do dia em que a mãe, usuária de
próteses quase perfeitas, deixou sem querer cair a superior na privada, e em
seguida as recolocou na boca, sem a menor cerimônia. O amigo passou a dar
rabissaca para o que fosse “prótese anatômica, constituída de dentes
artificiais e estrutura de material plástico, usada por quem perdeu os dentes
naturais”; os dele, “distraídos” todos por ausência de cuidados com a saúde
bucal ao longo das eras.
A
filha Ritinha, professora na cidade, ainda tentou junto ao genitor a colocação
dalgum dente, sob a desculpa, agora, de ser recurso estético, para deixar a
boca menos afundada. Não seria propriamente dentaduras, tipo “goiaba”,
amarelinhas, mas um implante dentário de gabarito. Adroval resistente, mas
amoroso ante o esforço da cria.
-
Quero não, e se for caro, aí é que eu num quero mesmo!
-
Meu dentista faz o procedimento em um mês e o senhor pode pagar em cinco anos!
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Tá pra quanto?
-
15 mil reais...
-
Cuma???
Espantado,
o vaqueiro fez as contas de cabeça, era bom nisso, e ligeirinho concluiu:
⁃
Como pode, a geringonça de mastigar ser mais cara que ‘as coisa’ de engolir?
-
Como assim, seu Adroaldo? – Redarguiu Ritinha.
-
Em um dia eu gasto, em média, 10 reais com café da manhã, almoço, merenda,
janta e outras burundangas. Num ano são 3.650 reais. Que multiplicados por 5
anos, tempo pra eu pagar o tal implante, dá 18.650 reais...
-
Acho bem razoável, pai!
-
Negatofe! O que se usa pra mastigar não pode ser mais caro que o engolido!
Fazendo hora com o relógio
Mais
uma do Jair Moraes, segundo ele, de vera. É o prodigioso Dudé, sobrinho dele de
13 anos, “cheio de nove horas”. Dudé, acreditem no Poeta dos Cachorros, é mais
velho que o mano Bebeto, gêmeo univitelino. Gêmeos e um mais velho que o outro?
Pode? Sim, Dudé adiantou o relógio um dia.
-
Sexta-feira, 20 de outubro pra Bebeto, é já sábado, 21/10, pra Dudé – esclarece
Jair.
-
E Bebeto aceita na boa? – Indago.
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Dizem (dizem!) que vai atrasar o relógio em um dia...
No
bar dos Papudim
Bebim,
capotado (cabeça no ombro deitado na mesa), dormindo ferrado. Mas acordou,
subitamente, com uma fala alta do dono do estabelecimento, João Daíla, ao
pronunciar o nome de canoro pássaro da fauna cearense, em conversa
despretensiosa com um cliente sóbrio. João ponderava sobre os diversos cantares
maviosos.
-
Bonito o canto do corrupião, da graúna, do sabiá, do golinha, do bigodeiro...
-
Sou mais o papa-capim, o azulão, o bem-te-vi, a rolinha cascavel e o galo de
campina!
O
bebim acordou apavorado exatamente aqui, quando João falou:
-
Ah, meu amigo, é porque você não conhece o abre-e-fecha!!!
E
o bebim...
-
Fecha não! O bar tu num fecha agora não! Num é hora!!!
Fonte: O POVO, de 20/10/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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