sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Crônica: “A diferença matemática entre mastigar e engolir” ... e outros causos

A diferença matemática entre mastigar e engolir

Dentes naturais, tinha já 12 anos que Adroval não os tinha mais. Pra falar a verdade, estar “banguelo” não era problema pra ele, pois se fiava que o trabalho — cuidar do gado — não carecia de dentes, de vera ou postiços.

- Tô aqui pra morder ninguém! Como raspado, triturado ou cortado os “moim”. Minha gengiva, meu canino!

A cisma da resistência às dentaduras veio do dia em que a mãe, usuária de próteses quase perfeitas, deixou sem querer cair a superior na privada, e em seguida as recolocou na boca, sem a menor cerimônia. O amigo passou a dar rabissaca para o que fosse “prótese anatômica, constituída de dentes artificiais e estrutura de material plástico, usada por quem perdeu os dentes naturais”; os dele, “distraídos” todos por ausência de cuidados com a saúde bucal ao longo das eras.

A filha Ritinha, professora na cidade, ainda tentou junto ao genitor a colocação dalgum dente, sob a desculpa, agora, de ser recurso estético, para deixar a boca menos afundada. Não seria propriamente dentaduras, tipo “goiaba”, amarelinhas, mas um implante dentário de gabarito. Adroval resistente, mas amoroso ante o esforço da cria.

- Quero não, e se for caro, aí é que eu num quero mesmo!

- Meu dentista faz o procedimento em um mês e o senhor pode pagar em cinco anos!

- Tá pra quanto?

- 15 mil reais...

- Cuma???

Espantado, o vaqueiro fez as contas de cabeça, era bom nisso, e ligeirinho concluiu:

⁃ Como pode, a geringonça de mastigar ser mais cara que ‘as coisa’ de engolir?

- Como assim, seu Adroaldo? – Redarguiu Ritinha.

- Em um dia eu gasto, em média, 10 reais com café da manhã, almoço, merenda, janta e outras burundangas. Num ano são 3.650 reais. Que multiplicados por 5 anos, tempo pra eu pagar o tal implante, dá 18.650 reais...

- Acho bem razoável, pai!

- Negatofe! O que se usa pra mastigar não pode ser mais caro que o engolido!

Fazendo hora com o relógio

Mais uma do Jair Moraes, segundo ele, de vera. É o prodigioso Dudé, sobrinho dele de 13 anos, “cheio de nove horas”. Dudé, acreditem no Poeta dos Cachorros, é mais velho que o mano Bebeto, gêmeo univitelino. Gêmeos e um mais velho que o outro? Pode? Sim, Dudé adiantou o relógio um dia.

- Sexta-feira, 20 de outubro pra Bebeto, é já sábado, 21/10, pra Dudé – esclarece Jair.

- E Bebeto aceita na boa? – Indago.

- Dizem (dizem!) que vai atrasar o relógio em um dia...

No bar dos Papudim

Bebim, capotado (cabeça no ombro deitado na mesa), dormindo ferrado. Mas acordou, subitamente, com uma fala alta do dono do estabelecimento, João Daíla, ao pronunciar o nome de canoro pássaro da fauna cearense, em conversa despretensiosa com um cliente sóbrio. João ponderava sobre os diversos cantares maviosos.

- Bonito o canto do corrupião, da graúna, do sabiá, do golinha, do bigodeiro...

- Sou mais o papa-capim, o azulão, o bem-te-vi, a rolinha cascavel e o galo de campina!

O bebim acordou apavorado exatamente aqui, quando João falou:

- Ah, meu amigo, é porque você não conhece o abre-e-fecha!!!

E o bebim...

- Fecha não! O bar tu num fecha agora não! Num é hora!!!

Fonte: O POVO, de 20/10/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog