Gabriel Damasceno, jornalista
de O Povo
Positivo.
"Pra mim foi um baque",
lembra Cleide Carvalho (nome fictício), 49, sobre o diagnóstico de HIV. "Foi muito sofrido e doloroso". Ela descobriu o vírus aos 19 anos, na década de
1990. Ela vivia com um homem, com quem tinha um filho. "A gente brigou, não lembro mais a razão, mas decidi dar
um castigo nele. Deixei ele com a criança e me mandei (para uma festa)".
"Eu era muito nova, muito inexperiente das coisas".
Ela
foi para um show na Praça José de Alencar, no Centro de Fortaleza, onde
conheceu um outro rapaz. Os dois passaram a noite juntos. "Quando foi de manhã ele falou: 'tenho uma coisa pra te
dizer'. Eu disse: 'pois fale, não tem problema não'. Ele, (então), disse assim:
'e se eu te disser que eu tô com aids?'. Aí o negócio desmoronou pro meu lado".
O
rapaz percebeu que Cleide ficou abalada e desconversou a história. Disse que
tudo não passava de uma brincadeira. Ela, que não conhecia muito sobre o vírus,
acreditou e se acalmou. Vale ressaltar que ela foi vítima de um crime. O que o
homem fez pode, em tese, se enquadrar como perigo de contágio de moléstia grave
— com pena de 1 a 4 anos e multa — ou como lesão corporal gravíssima — com pena
de 2 a 8 anos. "Pela aparência dele, eu
jamais acharia que ele tivesse (o HIV). Ele se apresentava muito bem".
Depois
da situação, ela começou a apresentar alguns sinais, mas não achava que pudesse
ser o vírus. Tinha acreditado na palavra do homem. "Comecei a fazer exame em cima de exame. O médico suspeitava
que eu tava com tuberculose".
Ela
fez o teste para a doença, mas deu negativo.
"Voltei para (o hospital) de novo e o médico disse: 'Só
tem um jeito: vou pedir o teste do HIV'. Aquilo pra mim foi um baque, mas eu
acreditava que não tinha (nada). Não queria nem fazer (o teste)".
Ela
fez e, dessa vez, deu positivo.
A
reação foi de negação. Mesmo com o resultado em mãos, ela decidiu não iniciar o
tratamento. "Eu pensava assim: 'Não vou
me tratar, porque não estou com isso não'. Tu acha uma coisa dessa. Como que a
pessoa tem um exame na mão e tá se negando desse jeito? Eu não aceitava de
jeito nenhum".
Depois
do diagnóstico, ela chegou a ir atrás da família, mas foi desprezada. O
preconceito nos anos 90 era menor que na década de 80, mas ainda era grande, comparado
com hoje. "Me isolaram e eu percebi que essa rejeição tava me fazendo mal.
Então, eu decidi que não iria mais procurar por eles. Iria morar só".
Em
casa — e sem começar o tratamento — os sintomas foram se agravando. "Quando vi que o negócio tava piorando mesmo, eu tomei a
decisão de me tratar. Eu pensei assim: 'vou me tratar porque senão vou morrer.
E morrer rápido'. Aí eu comecei a levar a sério".
Cleide
e Concebida são retratos de uma outra época. De quando a aids representava uma
condenação. Hoje as coisas são diferentes. É possível viver como qualquer outra
pessoa, desde que siga o tratamento da forma adequada. Militantes, inclusive,
pedem para que pessoas com aids não sejam chamadas de "doentes" ou de
"soropositivos", mas como "pessoas que convivem com HIV".
No
fim, Concebida estava certa: "A
aids não é um bicho de sete cabeças".
Publicada em O Povo, de 1/12/23. Cidades. p.6-7.
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