Por Izabel Gurgel (*)
Avista-se antes o flamboyant da casa de Lurdes e Chico Chagas. A
árvore em seu esplendor ou em estado de maturar a floração fica do outro lado
da rua e anuncia a chegada ao destino: a antiga casa de farinha de 'Seu' Chico
Soares, ao lado da casa de morada da família que Dona Luzia e ele iniciaram no
sítio Lagoa de São João, em Aracoiaba.
Não mais ativa no trato da mandioca, a casa de farinha é chão e céu
da fabricação de cajuína. Hoje, domingo, os irmãos Silvanar, Luciano e Itamar
tocam o dia de campo da cajuína São João. Tem mais gente tocando o serviço:
Elizângela e Eliane contam melhor. Trabalho e festa. Escola e laboratório. O
dia de campo é para prestar atenção: como se faz a bebida cuja invenção passa
por Rodolfo Teófilo (1853-1932).
Come-se muito, do café da manhã ao beiju quente à tarde na casa de
farinha São Vicente, na vizinha Agrovila. Promessa de degustação do espumante
de caju d'o alquimista da caatinga' Vicente Monteiro. Ele e Silvanar passaram
pelo Laboratório de Criação da Escola de Gastronomia Social do Governo do
Estado, no Mucuripe. Lá, a serviço, cruzei com eles.
Se não der para hoje, janeiro na Lagoa de São João é mês de ouvir
quem presta atenção para saber se haverá, e como será, a temporada de chuva. É
uma lição bonita feito sereno. Profetas da chuva com suas leituras da natureza
têm encontros anuais também em Orós, no sítio Aroeiras, distrito de Guassussê,
e em Quixadá. Não conheço o do Crato, também em janeiro.
Os olhos voltados para saber das águas nos lembram da nossa
condição: comemos e bebemos da terra e do trabalho. Sem cultivo da terra, não
existe alimentação.
Tem mais caju no nosso domingo. O Museu do Caju, no Parque
Guadalajara, em Caucaia, abre com feira. Fácil de achar, via Google, como o
sítio em Aracoiaba.
Difícil é achar água se ela não for cultivada. Lembro do filme
"O Sal da Terra". Um fotógrafo e uma produtora cultural cuidam do
replantio de uma vasta área em Minas Gerais, dilacerada por anos e anos de
violenta ação humana. Aridez de desertos. Com o reflorestamento, as fontes
voltam a brotar. Sim, água se planta.
Agora em 2023, sabemos, a chuva do caju, tão esperada, não foi como
se deseja e precisa. A natureza vive dando sinal. Já passou do tempo de prestar
atenção. Atenção é quiném água: sem ela, não se vive. Tem uma poesia de Joaquim
Cardozo (1897-1978) bem boa para nos dizer sobre prestar atenção. Engenheiro,
era um homem de cálculo preciso. O nome do poema é Chuva do Caju.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/11/23. Vida & Arte, p.2.
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