quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

MÉDICOS SEM FRONTEIRAS

Por Ana Miranda (*)

Vejo sempre, na feira aqui em frente, a Noordmarkt, um pequeno coral entoando músicas tradicionais, gracioso e afinado. No chão, um chapéu onde os ouvintes depositam moedas ou notas, e um cartaz: cantam para ajudar os Médicos Sem Fronteiras.

Esses médicos são maravilhosos. Quando o perigo chega ao limite, quando uma epidemia vem dizimando, uma guerra se torna mais cruel, um inferno de sofrimento se instala... quando não há mais anestesia, remédios, ambulâncias, povos sucumbem a bombardeios e as pessoas não têm tem mais água, alimento ou abrigo, quando há terremotos, inundações, chacinas, massacres, genocídios, quando a morte é maior que a vida e todos partem por não haver mais esperança, os Médicos Sem Fronteiras estão lá.

Aparecem nos jornais imagens da violência, sofremos de longe, mas eles estão ali de corpo e alma. Apoiaram cambojanos que fugiam do Khmer Vermelho, vítimas da guerra no Afeganistão, da grande fome na Etiópia, da guerra no Sri Lanka, do terremoto na Armênia; atenderam a vítimas do massacre dos bósnios, do genocídio em Ruanda, dos conflitos na Libéria, do terremoto que devastou o Haiti, a refugiados no Congo; resgataram sobreviventes no Mediterrâneo, ajudaram vítimas do tufão nas Filipinas, da epidemia de Ebola em seis países africanos, da guerra e do surto de cólera no Iêmen, do terremoto no Nepal; deram apoio a refugiados em Bangladesh, a vítimas do ciclone e inundações em Moçambique, da Covid em mais de setenta países, do ataque contra a maternidade em Cabul, entre outras desgraças. Os que puderam, partiram, mas eles estão lá, em Gaza, mesmo depois de morrerem três de seus médicos no bombardeio ao hospital Al Awda.

Atuaram no Brasil contra a epidemia de cólera na Amazônia, dando apoio a crianças de rua no Rio, a vítimas do massacre em Vigário Geral; trabalharam na prevenção de Aids no Rio, nas enchentes em Pernambuco e Alagoas; ajudaram imigrantes haitianos, vítimas do incêndio na boate Kiss, da enchente do rio Madeira; socorreram os Yanomami, os ribeirinhos e quilombolas em Marajó...

Essa organização surgiu na França em 1971, criada por médicos e jornalistas que viveram a guerra civil em Biafra. Em meio a um mundo de crueldade absoluta e dor, seres que eram só ossos e pele, eles perceberam a premência da ajuda humanitária no planeta. Trabalham também a alertar o mundo sobre esses flagelos. São independentes, vivem de doações - uma das organizações que mais me dão alegria ao doar. Não discriminam raça, gênero, religião, nacionalidade ou convicção política. São corajosos, idealistas, que recebem salários muito abaixo da média de médicos; poderiam escolher atividades confortáveis, mas estão nos cantos do planeta onde as pessoas sofrem mais e mais precisam de ajuda. Têm seis milhões de doadores no mundo. É seguro, todos podem e devem doar.

"Eu vi o que há de pior na humanidade", diz o médico Andrei Melo no seu Diário, quando atendia vítimas da guerra em Mossul, Iraque; "mas eu vi também o que há de melhor: a esperança, a resiliência e o amor ao próximo que não desaparecem em meio ao caos, pelo contrário..."

(*) Escritora. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 13/01/24. Vida & Arte, p.2.

Postado no Blog do Marcelo Gurgel em 1/4/2023.

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