sábado, 9 de março de 2024

Causo Médico: OS RÓSEOS ENTRE OS ROXOS E OS VERMELHOS

Apesar de nascer como um ente privado, a Faculdade de Medicina do Ceará dependeu, inteiramente, do Ministério da Educação, para auferir a autorização de seu funcionamento, cabendo a esse organismo avaliar as condições físicas, e, sobretudo, apreciar a relação dos docentes, com direito a veto dos nomes que não lhe parecessem convenientes, sob o prisma político.

De fato, um dos entraves à criação da nossa Faculdade de Medicina, “ab initio”, foi a dificuldade de composição do corpo docente, por razões ideológicas, haja vista viver-se, na época, em plena “guerra fria”, com a recente proscrição do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, e a subsequente perseguição de seus afiliados, nas várias instâncias políticas e policiais.

No Ceará, os médicos estavam distribuídos em três grupos: o dos “roxos”, em alusão a cor das meias do alto clero, era formado de católicos fervorosos; os “vermelhos”, constituídos de comunistas, reais ou suspeitos; e os “róseos”, segmento integrado por socialistas ou seus simpatizantes.

Na lógica oficial, no que concerne à avaliação do corpo docente fundador, o Governo Dutra vetava, sumariamente, os “vermelhos”, aceitava de bom grado os “roxos” e condicionava o aceite dos “róseos” à manifestação da Arquidiocese de Fortaleza, sob o pálio episcopal do dínamo Dom Antônio de Almeida Lustosa, de ser o iátrico um católico praticante, frequentador assíduo dos ofícios litúrgicos, que comungava com regularidade, e, portanto, não poderia ser comunista ou assemelhado.

Para salvaguardar o projeto, alguns “vermelhos” aceitaram ter seus nomes excluídos da listagem dos fundadores, sendo bem acolhidos como “assistentes” de “roxos”, enquanto perdurasse a proibição, até que eles pudessem assumir as cátedras, com luz própria; isso foi um estratagema que deu certo, com o passar dos anos.

Mas nem todos os “róseos” recorreram ao salvo-conduto eclesial, porquanto um deles chegou a protestar, veementemente, que não era de coloração abrandada, e sim um “vermelho” puro, autêntico, por suas convicções ideológicas. E era porque, naquele tempo, ser “róseo” não tinha conotação desairosa de quem, por acaso, ou não casual, gosta de cantar “I will survive”.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos Escritores

Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p. p.41-42.

* Republicado In: AMC. Causo médico: Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Dezembro de 2022 - Edição n.17, p.17 (em pdf).

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