Apesar de nascer como um ente privado, a
Faculdade de Medicina do Ceará dependeu, inteiramente, do Ministério da
Educação, para auferir a autorização de seu funcionamento, cabendo a esse
organismo avaliar as condições físicas, e, sobretudo, apreciar a relação dos
docentes, com direito a veto dos nomes que não lhe parecessem convenientes, sob
o prisma político.
De fato, um dos entraves à criação da nossa
Faculdade de Medicina, “ab initio”, foi a dificuldade de composição do corpo
docente, por razões ideológicas, haja vista viver-se, na época, em plena
“guerra fria”, com a recente proscrição do Partido Comunista Brasileiro, o PCB,
e a subsequente perseguição de seus afiliados, nas várias instâncias políticas
e policiais.
No Ceará, os médicos estavam distribuídos em
três grupos: o dos “roxos”, em alusão a cor das meias do alto clero, era
formado de católicos fervorosos; os “vermelhos”, constituídos de comunistas,
reais ou suspeitos; e os “róseos”, segmento integrado por socialistas ou seus
simpatizantes.
Na lógica oficial, no que concerne à
avaliação do corpo docente fundador, o Governo Dutra vetava, sumariamente, os
“vermelhos”, aceitava de bom grado os “roxos” e condicionava o aceite dos
“róseos” à manifestação da Arquidiocese de Fortaleza, sob o pálio episcopal do
dínamo Dom
Para salvaguardar o projeto, alguns
“vermelhos” aceitaram ter seus nomes excluídos da listagem dos fundadores,
sendo bem acolhidos como “assistentes” de “roxos”, enquanto perdurasse a
proibição, até que eles pudessem assumir as cátedras, com luz própria; isso foi
um estratagema que deu certo, com o passar dos anos.
Mas nem todos os “róseos” recorreram ao
salvo-conduto eclesial, porquanto um deles chegou a protestar, veementemente,
que não era de coloração abrandada, e sim um “vermelho” puro, autêntico, por
suas convicções ideológicas. E era porque, naquele tempo, ser “róseo” não tinha
conotação desairosa de quem, por acaso, ou não casual, gosta de cantar “I will
survive”.
Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos
Escritores
Fonte:
SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina,
meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022.
144p. p.41-42.
* Republicado In: AMC. Causo médico: Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Dezembro de 2022 - Edição n.17, p.17 (em pdf).
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