Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
O título faz
alusão às possibilidades da ignorância e do ato de manter-se ignorando, ou seja
desconhecer ou negar os fatos e a realidade, as contradições morais de nossa consciência.
Pois, uma
coisa é fato. Ser ignorante pressupõe um desconhecimento da realidade,
no aspecto intelectual. Já manter-se ignorando traduz não querer conhecer, ou,
simplesmente, gozar do desconhecimento.
Noutro
aspecto, Jacques Lacan, psicanalista francês, definiu o termo
"a passion for ignorance" baseado em estudos budistas, para descrever
como seus pacientes faziam de tudo para não saber a causa do sofrimento, mesmo
quando expunham que gostariam de entendê-la. Na psicanálise a ignorância apresenta-se em formas distintas na neurose, na psicose e
na perversão. Por Freud enquanto a psicose repudia a realidade, a neurose
somente a ignora. Tal fato pude comprovar com uma experiência traumática quando
ainda estudante, ao expor, por solicitação da própria família e de
especialistas, o estado de um paciente com câncer terminal.
Por outro
lado, muitas pessoas usam a negação e a ignorância como estratégia diante de
verdades inconvenientes e que fogem das suas percepções de realidade, e ainda, como forma de criar cenários fantasiosos.
É fato que a
distinção entre o ato de ignorar e o de manter-se ignorando remonta a aspectos
morais que transitam entre responsabilidade e inocência. Sobre esse ponto de
vista ouvi muitas vezes do meu pai; "quanto mais consciência e quanto mais
conhecimento, maior sua responsabilidade
social".
Num mundo
instantâneo a informação é imediata, mas nem sempre respaldada de veracidade.
Os algoritmos são, em si, uma nova forma de envolver, de
aculturar e de transgredir valores.
Tudo isso gera
ansiedade, e muitos optam por cerrar os olhos, não escutar ou silenciar diante
de informações que causam desconforto.
Em tempos de crise, duvidar da
verdade pode ser uma atitude cômoda para negar o sofrimento, ou ainda, uma
estratégia de manipulação para impedir reações ao "status quo".
Enfim, o termo
" inércia cognitiva", parece-nos adequado a um tempo de indiferença
ao que é ou não verdade ou real. São os tempos da "post-truth",
que, infelizmente, relaciona-se à inabilidade de aprender ou mesmo, a ausência
da vontade de conhecer.
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/02/2024. Opinião. p.19.
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