terça-feira, 11 de junho de 2024

A CRUEZA DA POBREZA

Por Heitor Férrer (*)

Certa vez, e já faz muito tempo, um professor nosso, médico, passava em frente a uma enfermaria de um hospital e viu uma auxiliar de enfermagem passando uma sonda naso-gástrica em um paciente que estava aos berros. Ele parou, entrou na enfermaria e pediu para que aquela auxiliar de enfermagem, ao terminar o procedimento, passasse uma sonda nele próprio. Dali em diante, ele disse que nunca mais prescreveria uma sonda para alguém passar; ele mesmo passaria. Claro que, de lá para cá, a evolução na formação de enfermeiros, atendentes e auxiliares teve uma evolução extraordinária e hoje temos profissionais altamente qualificados e confiáveis com formação invejável. Fiz essa citação para podermos viajar até o mundo da pobreza, onde só sabe de sua crueldade quem pertence a ele. Como diz o matuto, só quem calça é que sabe onde o sapato aperta.

Esse colega médico, para sentir o drama do paciente, teve que se tornar um deles e se submeter a um procedimento costumeiramente indicado por ele, tendo tantas vezes banalizado a sua execução, sem nunca ter imaginado o sofrimento dos pacientes. Como seria bom se todos nós pudéssemos adentrar a uma enorme sala do Brasil, em uma realidade bem distante de nós, onde milhões de brasileiros vivem com apenas um salário mínimo por mês: R$ 1.412,00!

Muitos que estão lendo esse nosso artigo, talvez consumam esse valor em apenas um jantar de final de semana. E não temos aqui a menor pretensão de criticar ou de cercear o direito de consumo daqueles que produzem sua própria riqueza, mas apenas abro uma janela para uma reflexão da perversa desigualdade que campeia o nosso país. Há poucos dias, li uma reportagem com dados do IBGE, referentes até o ano de 2022, trazendo que 60,1% dos brasileiros - 126 milhões de pessoas - vivem com até um salário mínimo por mês.

Em quatro estados - Maranhão, Alagoas, Paraíba e Amazonas - mais de 80% de sua população tem renda de até, no máximo, um salário mínimo per capita; uma legião de miséria e pobreza. E para tristeza e vergonha nossa, está no nosso Nordeste o maior número desses pobres e miseráveis. A continuar a perpetuação deste "status quo", não esperemos qualquer saída desse poço profundo em que estamos melancolicamente mergulhados.

(*) Médico e ex-Deputado estadual (Solidariedade).

Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/05/2024. Opinião. p.19.

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