quinta-feira, 29 de agosto de 2024

SECURITIZAÇÃO DA DÍVIDA: um caminho para ampliar investimentos

Por Alexandre Sobreira Cialdini (*)

Acertadamente o Presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar n.º 208, de 2 de julho, que amplia a capacidade de investimentos do Estado ao autorizar a securitização do fluxo de recebíveis da dívida ativa dos governos federal, estadual e municipal. Os três entes da federação brasileira poderão ceder onerosamente os direitos originados de créditos tributários e não tributários, inclusive quando inscritos em dívida ativa às pessoas jurídicas de direito privado ou a fundos de investimento, que são regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A aprovação representa um marco histórico para as finanças públicas do país e abre a oportunidade para recuperar receita, ampliar os investimentos públicos e reduzir o inadimplemento de devedores com a União, os Estados e Municípios. Afora isso e, em cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal, a receita de capital decorrente da venda de ativos, destinar-se-á, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) desse montante às despesas associadas a regime de previdência social.

De uma maneira geral, securitizar é um processo através do qual uma variedade de ativos financeiros ou não-financeiros (ativos base) são vendidos, no mercado, a investidores na forma de títulos. Desta forma, qualquer fluxo de caixa, seja atual ou futuro, que é gerado por ativos, pode ser securitizado, como é previsto na LC 208/2024. À medida que o mercado de securitização cresceu e se tornou mais sofisticado, e a variedade de ativos securitizados também aumentou. Assim, há uma necessidade dos governos também se modernizarem e incorporarem outros mecanismos de receita para aumentar investimento público e dar sustentação financeira e atuarial à previdência.

A securitização é apenas um dos mecanismos existentes para transferir riscos a terceiros - o que a literatura chama de finanças estruturadas, compreende os arranjos privados e públicos para refinanciar atividades econômicas de forma não convencional, com o intuito de reduzir custos de tomada de recursos e de intermediação de instituições financeiras. Tivemos oportunidade de trabalhar no nascedouro desse processo e, na época levantamos a recuperação destes valores, que não chegava a 0,7% dos estoques de dívida ativa, numa amostra de 10 estados brasileiros.

Os créditos da Dívida Ativa são objeto de atualização monetária, juros e multas, previstos em contratos ou em normativos legais, que são incorporados ao valor original inscrito. A atualização monetária deve ser lançada de acordo com o índice ou forma de cálculo pactuada ou legalmente incidente. O estoque administrado de créditos tributários e de dívida ativa pela União, por exemplo, atingiu no ano de 2021 R$ 5,51 trilhões. Desse total, apenas R$ 885 bilhões (16,06%) foram reconhecidos no ativo, líquidos de ajustes para perdas, o que evidencia uma expectativa de recuperação relativamente baixa, que pode ser significativamente ampliada com a securitização da dívida ativa.

A política pública para facilitar futuras securitizações lastreadas em fluxo deve se concentrar na remoção de restrições. Os emissores podem reduzir os custos de transação planejando uma série de emissões (um chamado acordo - o master trust), o que permitiria economias de escala. O uso de agências de classificação de crédito, para obter um selo de qualidade, também podem reduzir os custos de transação. Agrupar recebíveis também é outra medida importante.

Portanto, cabe também mencionar o papel decisivo do senador José Serra, que foi protagonista desse projeto no Senador Federal, ao apresentar o PLS 204/2016. Agora cabem a todos os entes da federação organizarem a gestão e a governança desse processo.

(*) Mestre em Economia e doutor em Administração Pública e Secretário de Finanças e Planejamento do Eusébio-Ceará.

Fonte: O Povo, de 8/08/24. Opinião. p.21.


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