quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O QUE VOCÊ CONTA DO JARDIM DO TJA?

Por Izabel Gurgel (*)

Hoje às 15 horas tem visita guiada pela arquiteta Fernanda Rocha ao jardim do Theatro José de Alencar, projeto do escritório Burle Marx. É aniversário de nascimento do poeta dos jardins (1909-1994), que não vai morrer nunca.

José Cassiano da Silva (2014-2003), o estimado Muriçoca que a partir de 1991 se torna porteiro do TJA, contava da roça ali cultivada. Plantou e colheu milho e feijão. Ele conheceu o teatro na década de 1930, quando de sua primeira vez em Fortaleza. Vinha do Crato, para onde retornou. Trinta anos depois, começaria a fazer parte do dia-a-dia do teatro como contrarregra.

No processo de criação do espetáculo "Felipe, Brasil", o bailarino e produtor cultural Felipe Araújo nos faz ver passar pelo jardim onde tanto dança (em cena e em festas) a história de amor dos pais dele, Ana e Marcos.

Cada participante do Curso Princípios Básicos de Teatro 1980 ensaiou pelo menos uma vez no palco ao ar livre ou no espaço interno entre as palmeiras leque de Fidji e os velhos oitizeiros. Não? Então passou antes ou depois da aula do curso existente desde a década de 1980, uma criação dos atores João Andrade Joca e Paulo Ess.

Artistas da cia francesa La Belle Zanka se aqueceram ali antes do passeio em gigantes pernas de pau (na verdade, metálicas) pela Praça José de Alencar e adjacências quando do Zona de Transição. No mesmo encontro festivo, o Grupo Garajal, de Maracanaú, fez Shakespeare no modo brincante: "Romeu e Julieta".

Ouvi mais de um relato de sonho tendo o jardim se desdobrando como espaço onírico: a folharada a migrar durante uma ventania que fazia os pés de jucá e pau-ferro se curvarem, o palhaço Trepinha (1927-2012), da dimensão onde se encontra, veio e sentou para olhar dali o teatro onde viveu mais de quarenta anos e ao qual chegou pelas mãos de outro mestre do riso dito popular, Clóvis Matias (1913 - 1998).

O artista visual Solon Ribeiro projetou imagens de cinema na vegetação do jardim. Foi no jardim, a abertura da conferência Vozes da América, da latina América e Caribe de tantos idiomas.

Jardim cena e cenário de casamentos, aniversários e bailes como o dos 90 anos do TJA, quando Chico Veloso dançou com a bailarina fantasma. Arquiteto da equipe do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Veloso conhecia o teatro, literalmente, de cima a baixo, e de cotidianos. A moça lhe disse que há anos vivia ali. Ele nunca a viu. Nem antes, nem depois. E pasmou quando se deu conta de que ninguém mais a viu no baile. Nem com ele, nem só, nem com outras pessoas.

Gente que trabalha no Centro vai ao jardim para tirar um cochilo com sapatos fazendo de travesseiro. Crianças fazem o que gente grande talvez tenha vontade de fazer e se contém: dão uma carreira, percorrem o espaço para inscrevê-lo nos próprios corpos.

Uma vez, um menino, de pé em um dos bancos de concreto, olhos fechados e braços abertos sob o sol, rosto iluminado pelo que lhe acontecia e pelo frescor da água dos aspersores, pergunta para a guia Vilani Moreira Barbosa, querendo saber de si: "Tia, o que é isso que eu tô sentindo?". Tão Clarice a pergunta, não é, Noandro Menezes? A fantasia do Noandro para o baile de Carnaval este ano no jardim reproduzia uma foto de Burle Marx, aquela da viçosa folha de filodendro com o jardineiro vivendo o que a pergunta do menino tenta alcançar.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 4/08/24. Vida & Arte, p.2.

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