Por Izabel Gurgel (*)
Hoje às 15 horas tem visita guiada pela arquiteta Fernanda Rocha ao
jardim do Theatro José de Alencar, projeto do escritório Burle Marx. É aniversário
de nascimento do poeta dos jardins (1909-1994), que não vai morrer nunca.
José Cassiano da Silva (2014-2003), o estimado Muriçoca que a
partir de 1991 se torna porteiro do TJA, contava da roça ali cultivada. Plantou
e colheu milho e feijão. Ele conheceu o teatro na década de 1930, quando de sua
primeira vez em Fortaleza. Vinha do Crato, para onde retornou. Trinta anos
depois, começaria a fazer parte do dia-a-dia do teatro como contrarregra.
No processo de criação do espetáculo "Felipe, Brasil", o
bailarino e produtor cultural Felipe Araújo nos faz ver passar pelo jardim onde
tanto dança (em cena e em festas) a história de amor dos pais dele, Ana e
Marcos.
Cada participante do Curso Princípios Básicos de Teatro 1980
ensaiou pelo menos uma vez no palco ao ar livre ou no espaço interno entre as
palmeiras leque de Fidji e os velhos oitizeiros. Não? Então passou antes ou
depois da aula do curso existente desde a década de 1980, uma criação dos
atores João Andrade Joca e Paulo Ess.
Artistas da cia francesa La Belle Zanka se aqueceram ali antes do
passeio em gigantes pernas de pau (na verdade, metálicas) pela Praça José de
Alencar e adjacências quando do Zona de Transição. No mesmo encontro festivo, o
Grupo Garajal, de Maracanaú, fez Shakespeare no modo brincante: "Romeu e
Julieta".
Ouvi mais de um relato de sonho tendo o jardim se desdobrando como
espaço onírico: a folharada a migrar durante uma ventania que fazia os pés de
jucá e pau-ferro se curvarem, o palhaço Trepinha (1927-2012), da dimensão onde
se encontra, veio e sentou para olhar dali o teatro onde viveu mais de quarenta
anos e ao qual chegou pelas mãos de outro mestre do riso dito popular, Clóvis
Matias (1913 - 1998).
O artista visual Solon Ribeiro projetou imagens de cinema na
vegetação do jardim. Foi no jardim, a abertura da conferência Vozes da América,
da latina América e Caribe de tantos idiomas.
Jardim cena e cenário de casamentos, aniversários e bailes como o
dos 90 anos do TJA, quando Chico Veloso dançou com a bailarina fantasma.
Arquiteto da equipe do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Veloso
conhecia o teatro, literalmente, de cima a baixo, e de cotidianos. A moça lhe
disse que há anos vivia ali. Ele nunca a viu. Nem antes, nem depois. E pasmou
quando se deu conta de que ninguém mais a viu no baile. Nem com ele, nem só,
nem com outras pessoas.
Gente que trabalha no Centro vai ao jardim para tirar um cochilo
com sapatos fazendo de travesseiro. Crianças fazem o que gente grande talvez
tenha vontade de fazer e se contém: dão uma carreira, percorrem o espaço para
inscrevê-lo nos próprios corpos.
Uma vez, um menino, de pé em um dos bancos de concreto, olhos
fechados e braços abertos sob o sol, rosto iluminado pelo que lhe acontecia e
pelo frescor da água dos aspersores, pergunta para a guia Vilani Moreira
Barbosa, querendo saber de si: "Tia, o que é isso que eu tô
sentindo?". Tão Clarice a pergunta, não é, Noandro Menezes? A fantasia do
Noandro para o baile de Carnaval este ano no jardim reproduzia uma foto de
Burle Marx, aquela da viçosa folha de filodendro com o jardineiro vivendo o que
a pergunta do menino tenta alcançar.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 4/08/24. Vida & Arte, p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário