quarta-feira, 16 de outubro de 2024

CAMINHOS DO CEARÁ: mãos de cura - fazer renda, rezar, tocar

Por Izabel Gurgel (*)

Para sarar do cobreiro, sete dias de reza. Escuto na Rádio Estrada, as conversas viajantes quando estamos na estrada. As peças do colar feito na hora por Teresa Bola já começam a murchar na primeira reza.

Cada uma das sete visitas inclui a feitura de um colar, um cordão de aneizinhos do talo de mamoeiro, que a pessoa em busca de cura recebe desde a primeira e até a última visita. Ao final das sete rezas, Teresa queima os sete colares.

Teresinha Bernardino de Lima, "Bola" por parte de pai, caçador de tatu-bola, nasceu dia 21 de junho de 1945. É filha de rezadeira e foi iniciada na reza pelo sogro, Francisco Flor, de Barbalha. Dança no Côco de Dona Edite, grupo brincante da Batateira. É o bairro do Crato onde moram as mulheres que dançam no Côco criado no final dos anos 1970. Tem mais brincante meizinheira e rezadeira, como a mestra Edite Dias de Oliveira Silva.

Teresa reza com pinhão roxo. Vi, plantadinha no quintal dela, uma espécie de biblioteca com parte do que usa na feitura de garrafadas, para beber, e no preparo de banhos. As mãos, que desenham com bilros desde criança, tiram galhos de pinhão roxo no terreiro de casa, na Barra do Mundaú, território Tremembé em Itapipoca. Rendeira, Maria Pedro dos Santos nasceu dia 14 de outubro de 1942 e reza, "o dote de Deus", desde os 14 anos.

Maria Eunice Almeida Joca reza também à distância, na intenção do nome e em direção ao lugar de moradia da pessoa a ser benzida. Nasceu dia 31 de outubro de 1952 em São Paulo dos Padres, zona rural de Canindé. Em 2022, conversei com ela por telefone, depois do desencontro na cidade. Ela morava, então, na sede do município. Em casa, tem pés de boldo e arruda, "que tira toda malizânia que tiver na pessoa". Começou a rezar por volta dos 16 anos. Aprendeu com a avó. Parte da transmissão à neta, Maria Libânia Almeida fez com a reza dita por escrito.

Na Casa de Mãe Dodô, na ladeira do Horto, a Serra do Catolé vivida como colina sagrada pela Nação Romeira, em Juazeiro do Norte, Maria Helena da Silva reza coletivamente. A benzedeira de 63 anos se desloca a partir do centro do semi-círculo formado pelas pessoas sentadas. A reza se desenha também para cada criatura, uma a uma. Tem maestria quem (se) desdobra (n)o tempo.

Em Madrinha Dodô, vi Pankararus atravessando outras fronteiras, deixando o mundo, a uma só vez, maior e menor para quem estava por perto, ainda que não se acredite em nada além do pulsar das próprias veias - há quem ache isso pouco. O rezo Pankararu é dança, dançado. O que me leva às áreas da estrada velha da Prainha, em Aquiraz.

Só o vi uma vez. Não trocamos palavra. Pedro tocava tambor. Cantou mais de três horas para seres sagrados, que se manifestam dançando no corpo de mulheres e homens. Pedro é rezador, soube dias depois.

Comecei, por zap, uma conversa com ele: "É muito espiritual. Vem de nascença. As pessoas nascem com mão de cura". Francisco Pedro Castro Silva, 54 anos feitos no último dia 9, falou sobre entidades sagradas abrindo a mão de cura. "Meu avô benzia", diz sobre Cosmo de Castro Gomes, que viveu 97 anos. Filho de Raimunda Castro Silva e Francisco de Assis Serra da Silva, Pedro tem mais irmãos. "Lá em casa, só eu tenho esse dom". A depender do caso, reza com agulha e pano. Vai costurando. Como quem escreve.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/09/24. Vida & Arte, p.2.

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