Por Mateus
Mota, Reportagem OP+ e Economia
Cuidar
da sua saúde: (não) tem preço?
É comum acreditar que
problemas graves de saúde são algo distante. Imagine, então, ter a vida
revirada de ponta cabeça durante um exame de rotina. Ao entrar no consultório,
o olhar do médico já indica que uma má notícia estava por vir.
O diagnóstico causa
um choque: uma doença rara, com um nome difícil de pronunciar. E o pior vem
logo em seguida — o único tratamento disponível custa milhões de reais.
Foi o que aconteceu
com o fortalezense Antonne, de 8 anos, diagnosticado com Distrofia Muscular
de Duchanne (DMD). O diagnóstico veio depois da criança sofrer uma queda, e
precisar de uma consulta de emergência no Hospital Infantil Albert Sabin.
Até então, a
dificuldade em manter o equilíbrio e permanecer longos períodos em pé ou em
movimento foi notada pela família e pela escola, mas o diagnóstico só foi
fechado depois de uma bateria de exames. Hoje, as melhores chances da síndrome
estagnar e dar Antonne uma chance de manter seus movimentos é a terapia
genética Elevidys, avaliada em aproximadamente R$ 20 milhões.
A doença, que afeta
mais meninos que meninas, pode ser um mistério para muitas pessoas e ter um fim
trágico para outras. Sem os cuidados paliativos, cerca de 75% dos pacientes com
a síndrome morrem até os 20 anos.
Para a mãe, Karoline
Alves, tão assustador quanto o prognóstico é a morosidade dos processos.
"A aprovação da Anvisa foi para pacientes que
ainda andam e têm até 7 anos, mas isso exclui muitas famílias que têm filhos
mais velhos e que ainda conservam as funções motoras", relata.
"Quando tivemos o diagnóstico e fomos atrás da Defensoria
Pública para requerer o tratamento ele ainda estava na idade, mas o Antonne
completou 8 anos no dia 25 de janeiro e o processo ainda vai ser analisado e
precisa de mais um laudo do médico, sendo que o próximo retorno é no próximo
dia 12 de fevereiro", diz o professor de caratê Alexandre Rosa, pai
de Antonne.
Atualmente, Antonne
toma uma dose diária de corticoides, que além de não serem ofertados pela
assistência farmacêutica do SUS, podem causar uma série de efeitos adversos,
que incluem cansaço excessivo, dores de cabeça, vertigens e aumento de peso,
por exemplo. Para preservar as funções motoras, a família também é acompanhada
pelo Hospital Sarah, no bairro Passaré.
A família, no
entanto, mantém a esperança de conseguir uma dose do Elevidys. A terapia
funciona utilizando um vetor viral para transportar um gene humano que codifica
a microdistrofina, com o objetivo de substituir a distrofina disfuncional ou
ausente no organismo do paciente.
Esse tratamento visa
a restaurar, ainda que de forma parcial, a função muscular em pacientes
pediátricos e barrar a progressão da doença. O medicamento é administrado em
uma única dose intravenosa, com a quantidade ajustada de acordo com o peso da
criança.
A via de ação e
método de dosagem e aplicação encarecem ainda mais o tratamento, como explica
Karoline, tornando praticamente impossível mantê-lo em estoque.
"É caro, sim, mas qual o custo de uma vida? Certamente se
os técnicos do Ministério da Saúde tivessem um filho, um familiar que
precisasse do medicamento, não mediriam esforços", diz a mãe.
Outra família que
enfrenta uma batalha similar é da goiana Anny Tereza Moscôso, diagnosticada com
atrofia muscular espinhal (AME). A criança de dois anos passou a receber
o medicamento "Onasemnogene abeparvoveque", vendido sob a marca
Zolgensma.
A medicação, aprovada
para crianças menores de dois anos em 2019 e incorporada ao SUS em 2022 é
considerada uma das mais caras do mundo. A família da menina reivindicou
na Justiça que a União custeasse o tratamento, que custa em torno de R$ 7
milhões.
O preço é, em grande
parte, também justificado pelo uso de engenharia genética. Para
funcionar, ele age diretamente em neurônios motores, que precisam de uma
proteína chamada SMN (proteína de sobrevivência do neurônio motor) como
“alimento”. Sem quantidade adequada da proteína SMN, os neurônios motores
morrem.
Como são eles os
responsáveis pelo controle da atividade muscular, a sua morte leva à fraqueza
muscular e à perda progressiva dos movimentos, até a paralisia. O
mecanismo de ação do Zongelsma insere uma cópia do gene humano responsável pela
proteína SMN.
"Uma aplicação única do produto pode melhorar a
sobrevivência dos pacientes, reduzir a necessidade de ventilação permanente
para respirar e alcançar marcos de desenvolvimento motores”, diz o texto
da Anvisa que liberou a medicação para Anny.
Até a mudança no
entendimento do STF, situações como a da família de Anny e Antonne eram o ponto
de partida de uma série de processos judiciais que buscam o cumprimento
de um direito já reconhecido, mas negado na via administrativa.
Essas ações
correspondem às demandas de medicamentos, tratamentos ou tecnologias já
incorporadas ao SUS ou aos planos de saúde.
A segunda situação
ocorre quando a discussão jurídica gira em torno de direitos não reconhecidos,
como em tratamentos ou tecnologias sem registro na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), ou sem comercialização no mercado nacional.
Do ponto de vista
jurídico e dos processos que envolvem a aprovação do uso de medicamentos no
Brasil, não há o que se contestar. Mas como explicar para uma criança que ela,
em breve, não poderá mais jogar futebol ou andar de bicicleta?
E há, ainda, outro
grau de delicadeza: juízes dependem de relatórios médicos muito bem
fundamentados para emitir as decisões. Mas como eles podem julgar se o
fundamento está bem sustentando se não possuem o conhecimento técnico?
Para tentar driblar a
lentidão da justiça, muitas famílias fazem o mesmo que Alexandre e Karoline:
começam uma campanha virtual de arrecadação de fundos.
"São milhões de reais envolvidos no tratamento, mas se o
SUS incluísse a DMD na lista de doenças que o teste do pezinho detecta, o que é
perfeitamente possível, o aumento no custo desse exame seria de apenas R$ 5. É
uma conta que não precisa ser difícil de fazer", aponta Alexandre.
Fonte: Reportagem OP+ e Economia, 24/02/25. p.6.
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