terça-feira, 1 de julho de 2025

VERGONHA

Por Tales de Sá Cavalcante (*)

Já relatei neste espaço a atitude de Liduíno Pinheiro de Sousa, motorista de minha família há 40 anos, que, após o falecimento de sua mãe, em Jaguaruana, foi à agência do INSS para entregar o cartão de saque do benefício de sua genitora, por achar que só ela, e somente ela, poderia usá-lo. O gerente, surpreso, exclamou: “Este foi o primeiro caso de devolução, pois os herdeiros costumam usar a senha de quem faleceu até a prova de vida.”

Depois das atuais fraudes no INSS, com descontos indevidos, soube de falhas também no Bolsa Família. Há logro de ponta a ponta. A maioria dos habitantes das pequenas e pobres cidades possui pouca instrução e elevada idade. Para usufruírem dos proventos, recebem um cartão com o crédito de cada mês. Em inúmeros casos, é difícil, ou até impossível, sua ida ao banco. Preferem não sair de casa e entregam cartão (sem procuração) e senha a alguém que passa a representar mensalmente muitas pessoas e entregar-lhes os mantimentos.

Geralmente não há prestação de contas; a vítima é informada de algum débito e nunca há crédito. Às vezes o responsável pelos cartões é o proprietário do mercadinho, que anota em seu caderno os nomes e as quantidades dos itens entregues sem os respectivos valores. Para as famílias existem apenas as compras. Só quem pega em dinheiro é o intermediário.

Não é função do INSS transferir dinheiro para empresas privadas, mas, há muito tempo, larápios se aproveitam da ingenuidade e pureza dos humildes. Num exemplo de um milhão de prejudicados, uma retirada ilegal de R$ 20,00 de cada vítima corresponde a um total de R$ 20 milhões. Ao considerar apenas as atuais queixas por telefone e no aplicativo Meu INSS, o ministro Haddad prevê devolução de até R$ 2 bilhões por fraudes no INSS.

O antigo e vultoso roubo que atingiu idosos e carentes nos leva à reflexão sobre a citação atribuída ao notável historiador cearense Capistrano de Abreu (1853–1927). Teria ele dito que a Constituição ideal para o Brasil deveria conter apenas 2 artigos. O primeiro seria: “Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara.” E o segundo: “Revogam-se as disposições em contrário.”

(*) Reitor do FB UNI e Dir. Superintendente da Org. Educ. Farias Brito. Presidente da Academia Cearense de Letras.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/05/25. Opinião, p.16.

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