sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Lágrimas gouches para crimes burgueses



Por Ricardo Alcântara (*)


Diante da imagem de gente chorando abraçada a bandeiras vermelhas ao ver os condenados do mensalão embarcando para o cumprimento de suas penas me dei conta uma vez mais de que somos capazes de acreditar no que melhor nos convém.
A parte surreal é que o comboio não levava às celas apenas gente que pegou em armas pela emancipação proletária. Também foram às grades banqueiros que com eles colaboraram com indispensáveis artifícios para o êxito de suas aventuras.
Foi burlesco ver lágrimas gouches derramadas por um affair que botou em cana também paxás da mora. Os artífices da Segunda Internacional jamais imaginaram que seus últimos heróis seriam pranteados na companhia de banqueiros.
Aquelas meninas de calcanhares sujos que frequentam os barzinhos do Benfica acreditam que o Zé Dirceu é a reencarnação do Chapeuzinho Vermelho enquanto Civitas pagam Mainardis para dizer o contrário: trata-se do Lobo Mau. Nada disso.
Zé Dirceu é Zé Dirceu: a mais perfeita tradução da sua geração. Se alguém pensa que a nação deve algo ao PT, deve igualmente pensar que deve muito àquele operador político frio e competente forjado no movimento estudantil dos anos 60.
Do relógio chamado PT, José Dirceu foi sempre o pino oculto da engrenagem onde, acima, brilhava os ponteiros de Lula. Por isso mesmo, a relação entre eles sempre foi de uma afinação arduamente sustentada: dela dependia simplesmente tudo.
O partido de massa conseguiu preservar o pescoço do seu líder, mas o articulador que deu coesão à sua estrutura não resistiu: vai cumprir pena por um crime, tendo cometido outro e sem que se tenha provado contra ele nenhum dos dois! Foi assim.
Ao vê-lo, braço erguido e punho cerrado, dizendo-se um “preso político” em vã tentativa de controlar os fatos, e vendo que por ele ainda há quem chore abraçado à bandeira, constato: o julgamento do Supremo acabou, mas o da História não.
Crime, houve: menor do que o denunciado por Roberto Jéferson e maior do que o admitido pelos advogados petistas. Crime, por sinal, rotineiro no cotidiano de Brasília: desconheço grupo político neste país que não o tenha cometido também.
Por ele pagaram até agora apenas os que se investiram do papel de vestais: o PT construiu reputação na classe média urbana denunciando o baixo padrão ético dos partidos conservadores. Uma vez no poder, as concessões cobraram um alto preço.
É assim que se faz
Dizem que papel aguenta tudo. O Twitter também: no dia em que se comemorava (comemorava mesmo?) a Proclamação da República, a presidente Dilma declarou em seu Twitter que seu papel é “prevenir e combater a corrupção”.
A presidente não explicou como tem feito isto, mas eu digo: criando 40 ministérios e entregando uma penca deles ao PMDB do José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá e os outros praquela turminha bem acolá. Facinho, não?
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre é cão sem dono. Se gostou, passe adiante.

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