quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A Tapera das Artes e as Invenções do Mundo


Por José Jackson Coelho Sampaio (*)
A Uece, por meio de seu Curso de Música e da Pró-Reitoria de Extensão, assumiu apoio institucional a eventos da Tapera das Artes, em Aquiraz. No dia 27/8, assisti ao encerramento de mais uma edição do projeto “Mestre & Aprendiz tocando fortíssimo”, espetáculo resultante de uma semana de mergulho criativo de professores e alunos da ONG com a transcendência musical de Hermeto Pascoal.
Hermeto fez 80 e a Tapera fez 33 anos, esbanjando expansão criativa, disciplina transgressiva, a liberdade que a arte possibilita e a saúde mental que arte e liberdade engendram. A invenção de sons e de instrumentos, numa luteria permeada pelos recursos locais, como os violinos de cabaça, além do comportamento sereno daquelas crianças e jovens, o orgulho e a alegria indisfarçáveis, a flexibilidade expressiva e a competência técnica em amadurecimento lembraram-me, nestes tempos olímpicos, o destino que arte e esporte estão tendo.
Pouco se fala do valor humanístico intrínseco de arte e esporte na construção da subjetividade e das relações societárias. Fala-se apenas de valor instrumental: ocupar o “vazio do ócio”, tirar “das ruas”, proteger da “violência das drogas”. O que precisarmos fazer para estes fins imediatos e concretos deve ser feito, mas com crítica fundamentada, não de modo espontaneista, para que arte e esporte também não se tornem alienação, violência e dopping.
Porém, arte e esporte, junto com estudo, trabalho e prática cidadã, estruturam identidades, sentimentos de pertencimento e vida em sociedade, com o amplo poder da inteligência afetiva – Hermeto diz: “para quê partitura se ela está em suas cabeças?”. No complexo mundo contemporâneo, de globalização e mascaramento radical dos modos de exploração, arte e esporte são mediações ontogênicas e civilizatórias. Não podem constituir projetos pontuais, subfinanciados, descontínuos e focados no personalismo e nas modas. A Tapera das Artes é templo ecumênico, democrático, de invenções e transgressões, que indica ricos rumos de superação.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado. In: O Povo, Opinião, de 27/9/16. p.10.

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