Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
Seria
natural e até desejável que me devesse ocupar, nestas anotações incômodas, da
realidade circunstante de uma eleição da qual participamos há três dias.
Decidi-me, entretanto, por fugir de comentar o feito consumado, e afastar, não
sem íntima resistência, o impulso que nos leva a envolver-nos, a nós pessoas e
cidadãos, com a disputa e a aritmética dos números que antecipam e coonestam audaciosas,
por vezes patrióticas, pretensões políticas. Outros, mais avisados do que eu,
hão de ocupar-se da matéria e o farão com domínio de autoridade.
Voltaire,
lembra Savater em ensaio vigoroso sobre fanatismo e fanáticos, acreditava que
os abusos e disparates das leis são, de fato, males reais que provêm de causas
compreensíveis: do interesse abusivo dos poderosos e da ignorância das massas,
acalentadas pelos inventores de superstições e ideologias… Abuso praticado por
quem tem o poder; e submissão pela ignorância de quem imagina ingenuamente
poder influenciar os agentes do poder…
Esqueçamos
por breve momento os embates municipais (o poder “local” é mais sedutor do que
o poder distante?), e deixemo-nos levar por esta prosa heterodoxa, irrelevante.
Puxo o fio esgarçado da prática acreditada como racional da contraposição de
ideias e argumentos. Este é hábito sutil que faz dos homens (e das mulheres)
seres pretensamente lógicos e racionais. Recorrendo aos avatares da
biopolítica, é possível vislumbrar, na economia das ideias, a intervenção de
fatores convergentes e complementares. Um deles, a ocorrência da
“partenogênese”, quando as ideias se desenvolvem na cabeça das pessoas sem
fertilização externa. É uma forma de geração de dogmas e convicções em processo
autônomo capaz de transformar as criaturas pensantes em hermafroditas
intelectuais, dotadas da capacidade de conceberem suas próprias certezas; ou,
se assim parecer ao leitor mais arguto, por laborioso onanismo de resultados,
engenharia aliciadora e solitária de masturbação de percepções autoconsensuais.
Outra vertente está no redemoinho semântico da significação das palavras e de
sua transformação. No universo da política, as palavras sofrem, com frequência,
mudanças de conteúdo, ganham acepções ambíguas e terminam por favorecer a troca
de sinais das falas e dos discursos. Parece comum entre atores políticos,
estejam eles nos portais do poder ou afogados no desencanto da oposição, a fuga
intencional dos papéis que deveriam representar no cumprimento de seus mandatos
e atribuições. Não se há de remover esses entraves perversos da vida política
brasileira com reformas de emergência, extraídas de consensos e dissensos
formais, travados em casas legislativas a cujos integrantes faltam o peso da
consciência política de sua investidura e a percepção clara do sentido real da
representação e do mandato que exercem. Esses valores da cidadania são
atributos do povo, cultivados nas democracias, despertados pela educação e
encorajados por um forte sentimento de solidariedade. Resultam, como predicava
Etienne de La Boétie, de dois princípios fundadores: a representação e o
mandato, associados à liberdade e à equidade.
(*) Cientista
político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.
Fonte: O
Povo, 6/10/16. Opinião, p.18.
Nenhum comentário:
Postar um comentário