Por Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Capelo costumava estacionar o seu velho
carro em um espaço situado entre os prédios dos Departamentos de Patologia e da
Fisiologia e Farmacologia. Era um local de livre acesso público, e não apenas
de pessoas da comunidade universitária, sem qualquer vigilância. Ao parar ali o
carro, cuidava ele somente de retirar as chaves da ignição, encostando a porta
e deixando os vidros laterais abaixados, tornando ainda mais visíveis os
objetos pessoais mantidos no interior do veículo.
Era comum entre os acadêmicos, ainda
desavisados, dirigirem-se ao Capelo, na ânsia de cientificá-lo do fato:
– Professor, o senhor esqueceu de trancar o
seu carro. Ele está aberto.
– Esqueci não, meu filho. Eu encostei a
porta – retrucou o docente.
– Não são as portas, professor. São os
vidros das portas que estão baixos.
– Sei disso, rapaz. Assim o carro, não
esquenta tanto, e não fica abafado, para quando eu for sair da faculdade.
– Mestre, o senhor também esqueceu vários
objetos lá no carro – acrescentou o aluno.
– Eu sempre os deixo lá. Se houver uma
necessidade, eu vou e os pego.
– E se alguém, digamos um “amigo” das coisas
alheias, levar?
– Se levar é porque, certamente, é
importante para ele, e até estaria necessitando dessas coisas mais do que eu – completou o Capelo, pondo um ponto final na conversa.
Fonte:
SILVA, M.G.C. da. Um carro
sempre aberto. In: SOBRAMES – CEARÁ. Semeando cultura. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão,
2016. 320p. p.232.
* Publicado,
originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos
e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p.75-80.
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