Por Paulo
Elpídio de Menezes Neto (*)
“Pancada de vara não faz caju
maduro”, ensinava Leonardo Mota em seu “Adagiário Brasileiro”. Não teria sido
por irresistível ímpeto patriótico que a demolição da Bastilha houvesse
começado dois dias após a Revolução: o povo nas ruas, gritando a vitória
conquistada com aquele gostinho de desforra por tantas humilhações sofridas e
revoltas frustradas. Pierre-François Palley, influente empreiteiro de obras
públicas, tendo obtido a designação de demolidor oficial da temível prisão,
onde morreram afogados em sua “oubliettes” criminosos comuns e perseguidos
políticos, iniciou os trabalhos de demolição com presteza. Não sem, antes,
autoproclamar-se “O Patriota”, condição à qual o cidadão Palley associou, com
raro talento, lucros desmedidos e ideais revolucionários ardentes.
Menos de um
século transcorrido, quando ainda se condenava, no Brasil e em outras Cortes
europeias, o caráter criminoso do regicídio praticado contra os reis de França,
no Ceará provincial, ocorreria episódio insólito, não que pudesse ser visto
como improvável, dados os hábitos políticos e suas práticas correntes, mas pela
banalidade como a autoridade exercia os seus largos poderes.
Tendo Clóvis
Bevilácqua, jovem iniciante nos caminhos das leis e da justiça, pleiteado o
cargo de promotor público ao presidente da Província do Ceará, Domingos Antonio
Rayol, teve seu pedido rejeitado, sob o argumento de que a promotoria não
estava vaga, já que ocupada por um leigo, rábula cujas habilidades eram,
aparentemente, muito apreciadas. O jovem Clóvis, noviço nessas árduas questões
de relacionamento das “redes de sociabilidade”, recorreu da decisão, amparado
na lei: o cargo era privativo de advogados, a menos que não os houvesse
disponíveis.
Domingos Rayol
era homem de ligações poderosas no Império, governara o Pará, as Alagoas e São
Paulo. O despacho final ao recurso encerrava a melindrosa controvérsia: o cargo
de promotor de Aquiraz era ocupado por pessoa “distinta”, e ponto final.
O que apresentam
em comum os dois episódios, tão distantes no plano temporal, mas tão próximos
pelas suas causas inspiradoras? O compadrio, certamente, alimento das alianças
do poder; a relação incestuosa entre o público e o privado; a fragilidade da
representatividade e a natureza dos mandatos políticos, diagnóstico sucinto de
causas múltiplas e abrangentes.
A nossa
história política, o quotidiano de suas íntimas relações e compromissos, nem
sempre exemplares, dão-nos a visão de um conluio organizado de forças e interesses
muito pouco comprometidos com a natureza, os deveres do Estado e o equilíbrio e
justeza das ações de governo. Não é de agora, não é vezo recente a ação
concertada dos governos contra o Estado, tampouco a indiferença que lhes
inspiram a nação e a sociedade.
Em face dos
momentos de paixão e árduas disputas políticas, a nossa índole “pacificadora”
têm-nos levado a acordos e tentativas de conciliação, a arranjos e
convergências custosos, menos para governos e governantes, é bem de ver. O que
se intenta agora, mediante diálogo entre mediadores pouco acreditados por suas
intenções reais, faz lembrar episódios esquecidos nos desvãos da História.
(*) Cientista político. Membro da Academia Brasileira de Educação
e do Instituto do Ceará.
Fonte: O Povo, de 5/7/2017. Opinião. p.10.
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