terça-feira, 5 de junho de 2018

RELAÇÕES PERIGOSAS: o compadrio político brasileiro


Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
Pancada de vara não faz caju maduro”, ensinava Leonardo Mota em seu “Adagiário Brasileiro”. Não teria sido por irresistível ímpeto patriótico que a demolição da Bastilha houvesse começado dois dias após a Revolução: o povo nas ruas, gritando a vitória conquistada com aquele gostinho de desforra por tantas humilhações sofridas e revoltas frustradas. Pierre-François Palley, influente empreiteiro de obras públicas, tendo obtido a designação de demolidor oficial da temível prisão, onde morreram afogados em sua “oubliettes” criminosos comuns e perseguidos políticos, iniciou os trabalhos de demolição com presteza. Não sem, antes, autoproclamar-se “O Patriota”, condição à qual o cidadão Palley associou, com raro talento, lucros desmedidos e ideais revolucionários ardentes.
Menos de um século transcorrido, quando ainda se condenava, no Brasil e em outras Cortes europeias, o caráter criminoso do regicídio praticado contra os reis de França, no Ceará provincial, ocorreria episódio insólito, não que pudesse ser visto como improvável, dados os hábitos políticos e suas práticas correntes, mas pela banalidade como a autoridade exercia os seus largos poderes.
Tendo Clóvis Bevilácqua, jovem iniciante nos caminhos das leis e da justiça, pleiteado o cargo de promotor público ao presidente da Província do Ceará, Domingos Antonio Rayol, teve seu pedido rejeitado, sob o argumento de que a promotoria não estava vaga, já que ocupada por um leigo, rábula cujas habilidades eram, aparentemente, muito apreciadas. O jovem Clóvis, noviço nessas árduas questões de relacionamento das “redes de sociabilidade”, recorreu da decisão, amparado na lei: o cargo era privativo de advogados, a menos que não os houvesse disponíveis.
Domingos Rayol era homem de ligações poderosas no Império, governara o Pará, as Alagoas e São Paulo. O despacho final ao recurso encerrava a melindrosa controvérsia: o cargo de promotor de Aquiraz era ocupado por pessoa “distinta”, e ponto final.
O que apresentam em comum os dois episódios, tão distantes no plano temporal, mas tão próximos pelas suas causas inspiradoras? O compadrio, certamente, alimento das alianças do poder; a relação incestuosa entre o público e o privado; a fragilidade da representatividade e a natureza dos mandatos políticos, diagnóstico sucinto de causas múltiplas e abrangentes.
A nossa história política, o quotidiano de suas íntimas relações e compromissos, nem sempre exemplares, dão-nos a visão de um conluio organizado de forças e interesses muito pouco comprometidos com a natureza, os deveres do Estado e o equilíbrio e justeza das ações de governo. Não é de agora, não é vezo recente a ação concertada dos governos contra o Estado, tampouco a indiferença que lhes inspiram a nação e a sociedade.
Em face dos momentos de paixão e árduas disputas políticas, a nossa índole “pacificadora” têm-nos levado a acordos e tentativas de conciliação, a arranjos e convergências custosos, menos para governos e governantes, é bem de ver. O que se intenta agora, mediante diálogo entre mediadores pouco acreditados por suas intenções reais, faz lembrar episódios esquecidos nos desvãos da História.
(*) Cientista político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.
Fonte: O Povo, de 5/7/2017. Opinião. p.10.

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