sexta-feira, 5 de julho de 2019

AOS VIVOS: "Remenda o pano que ainda dura um ano"... e outro causo


Remenda o pano que ainda dura um ano

Hollywood Júnior se dizia tão desassombrado que pedi a Deus ocasião de prová-lo. E assim meio que sem querer ficamos sabendo que o caba não era aquilo tudo. Afinal, com morte não se brinca. O colega se pabulava tanto de não temer a morte que cheguei a invejá-lo. Dizia a quem interessar pudesse:
- Morrer? Tenho medo é da vida! Alma? Dou é cotoco, ainda mijo nos pés dela!
Estávamos na casa dele para um almoço quando, enfim, tivemos a constatação de que tudo não passava de conversa mole. Terminando de aprontar o feijão, a mulher Girle (Girle vem de “girl”, moça em inglês) deu um toque fraterno:
- Holly, meu bem, o feijão tá uma delícia, mas muito gorduroso. Vê se não exagera...
- Como é que? Tá me desconhecendo, criatura?
- Amor, é teu colesterol...
- E eu sou lá homem de negar uma cuia de feijão com toicim e farinha!!! Tá doida!?!
- Mas amor, entenda...
Eu devia comer um quilo de gordura por dia!!! já disse e repito: tenho medo de morrer não!!!
- Largue de onda e me traga o feijão aqui! Capriche no tutano, bacon, linguiça...
- É que o médico recomendou que, pra tu viver mais 40 anos...
- ... eu devia comer um quilo de gordura por dia!!! Já disse e repito: tenho medo de morrer não!!!
Até há pouco meticulosa nas palavras, Girle desce então do salto e manda ver, olhando pro alto e falando sério, pedindo com máximo fervor:
- Deus, meu Deus, ‘são’ meio dia e doze minutos... E eu te peço: leva esse fulerage agora!!!
- O que, Girle?
- Quero que tu morra nextante, infeliz das costa oca!
Visivelmente destreinado com o pedido da mulher ao Pai Celestial, Hollywood Júnior sente a força daquelas palavras. E a mulher insiste:
- Deus meu Deus! Leva essa pustema daqui! Morre, Holly! Por que é que tu não bate a caçuleta, macho?
Temeroso do peso daquelas palavras, disparadas com a fé removedora de montanhas, o homem dá pra trás e descobrimos tudo...
- Girle, eu até que gostaria de morrer agora. Ocorre que eu preciso dar um pulinho na casa de mãe, pegar o carnê dela do INPS e pagar duas letra vencidas...
Sui generis, altamente mental
De tudo já vi nessa vida, em matéria de doidice. O Etelvino, por exemplo, pediu que a mulher lhe botasse chifre só pra voltar a beber cinzano. O João Mondrongo passou 34 dias sem comer com o objetivo único criar teia de aranha no caneco. Besourão é crente que o Ferrim é o melhor time do mundo. Zilá Mêi Pão inventou de pedir demissão do emprego no sentido de experimentar um mês devendo na bodega do seu Valmir Carrapateira.
Mas essa do Crocodilo, confesso, nunca tinha “ouvisto falar”: roubou 200 reais dele mesmo e foi dar parte da polícia. Lá chegando, teceu comentários sobre as características da personalidade desequilibrada do ladrão, que o sujeito era “perigoso elemento”, que queria que o larápio apodrecesse no xilindró”. E se pegasse ele no meio da rua, dava-lhe uma mão de peia tão grande que nem a alma escapava. Que fez, por fim? Traçou o retrato falado do marginal.
Resultado: está preso há um mês. Pior: não quer advogado...
Fonte: O POVO, de 29/6/2018. Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.2.

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