Por José de Souza Meirelles
Filho
Aconteceu há cerca de 70 anos. Formei-me
em 1946. CRM 310. Costumo dizer que Hipócrates foi meu colega de turma. Em 1947
já era residente no HC da Faculdade de Medicina da USP. Na noite em que aconteceu o episódio, fui
destacado para, junto com os devidos assistentes, fazer o plantão noturno no
PS.
Logo me puseram no “plantão da
porta”, ou seja, encarregado de atender os pacientes que chegavam e eram
encaminhados à sala de exames. Se fosse problema de clínica médica, eu deveria
resolver ou solicitar o auxílio dos assistentes.
Naquela noite, os assistentes de
clínica médica eram os Drs. Cassio Botura e Dirceu P. Neves, ambos excelentes
clínicos, mas não propriamente o que eu chamaria de bem-humorados. Lá fui eu
atender os pacientes recém-chegados e encaminhados à sala de exames.
Eu contava com o auxílio do João
Pé-de-Valsa, auxiliar de enfermagem com enorme tarimba a respeito de pacientes
que chegavam de ambulância. Quase sempre ele os encaminhava à sala de exames já
com o diagnóstico feito: Doutor, chegou uma úlcera hemorrágica, um aborto incompleto,
uma fratura do fêmur, e assim por diante.
Mas nesta noite vi o João
desapontado: Doutor, chegou uma jovem em coma e eu não estou sabendo bem o que
é. Ela foi encaminhada, inconsciente, à sala de exames, acompanhada da mãe em
prantos: Doutor, salve minha filha. Esta maluca brigou com o namorado e
resolveu se matar tomando um copo de manga com leite.
Ao meu lado, o Bittencourt,
residente de cirurgia, dirigiu-se à mãe desesperada. Não se preocupe, minha
senhora, recentemente, dois médicos alemães, de nome Billie e Park, estudaram o
veneno da manga com leite, e desenvolveram uma injeção, que nós temos aqui, e
que acaba com os efeitos dessa maldita mistura.
Ato contínuo, após a injeção de
uma pequena dose de soro glicosado, a jovem acordou, bela e faceira. A pobre
mãe foi impedida de cair aos pés do Bitencourt a fim de beijá-los.
Nós, do PS, gostamos da história
do Billie e Park e passamos a usar essa expressão em vez de, erroneamente, HY
(histeria), que usávamos como rotina para os pacientes que apresentavam quadro
exagerado de reação psicossomática.
Tempos depois, o “Billie e Park”
subiu os andares, tomou conta do HC. Posteriormente, sofreu corruptela para
“bilipak” e, mais tarde, nova corruptela para “piripaque”.
Hoje, piripaque é largamente
usado, inclusive por jornalistas e escritores de todo o Brasil. Basta conferir
“piripaque” no Google. Ainda não mereceu a honra de figurar no Aurélio ou no
Houaiss, mas logo chegará lá.
Quando o dicionário se referir à
origem do vocábulo, seu criador deveria ser lembrado, o Dr. Delmont Bittencourt,
talentoso cirurgião, braço direito do Zerbini, os introdutores da cirurgia
cardíaca em nosso meio.
*Publicado originalmente no Suplemento Cultural da Revista da Associação
Paulista de Medicina, em setembro de 2017.
Fonte:
Internet (circulando por e-mail e i-phones).
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