domingo, 24 de maio de 2020

PIRIPAQUE: a história de um neologismo

Por José de Souza Meirelles Filho
Aconteceu há cerca de 70 anos. Formei-me em 1946. CRM 310. Costumo dizer que Hipócrates foi meu colega de turma. Em 1947 já era residente no HC da Faculdade de Medicina da USP.  Na noite em que aconteceu o episódio, fui destacado para, junto com os devidos assistentes, fazer o plantão noturno no PS.
Logo me puseram no “plantão da porta”, ou seja, encarregado de atender os pacientes que chegavam e eram encaminhados à sala de exames. Se fosse problema de clínica médica, eu deveria resolver ou solicitar o auxílio dos assistentes.
Naquela noite, os assistentes de clínica médica eram os Drs. Cassio Botura e Dirceu P. Neves, ambos excelentes clínicos, mas não propriamente o que eu chamaria de bem-humorados. Lá fui eu atender os pacientes recém-chegados e encaminhados à sala de exames.
Eu contava com o auxílio do João Pé-de-Valsa, auxiliar de enfermagem com enorme tarimba a respeito de pacientes que chegavam de ambulância. Quase sempre ele os encaminhava à sala de exames já com o diagnóstico feito: Doutor, chegou uma úlcera hemorrágica, um aborto incompleto, uma fratura do fêmur, e assim por diante.
Mas nesta noite vi o João desapontado: Doutor, chegou uma jovem em coma e eu não estou sabendo bem o que é. Ela foi encaminhada, inconsciente, à sala de exames, acompanhada da mãe em prantos: Doutor, salve minha filha. Esta maluca brigou com o namorado e resolveu se matar tomando um copo de manga com leite.
Ao meu lado, o Bittencourt, residente de cirurgia, dirigiu-se à mãe desesperada. Não se preocupe, minha senhora, recentemente, dois médicos alemães, de nome Billie e Park, estudaram o veneno da manga com leite, e desenvolveram uma injeção, que nós temos aqui, e que acaba com os efeitos dessa maldita mistura.
Ato contínuo, após a injeção de uma pequena dose de soro glicosado, a jovem acordou, bela e faceira. A pobre mãe foi impedida de cair aos pés do Bitencourt a fim de beijá-los.
Nós, do PS, gostamos da história do Billie e Park e passamos a usar essa expressão em vez de, erroneamente, HY (histeria), que usávamos como rotina para os pacientes que apresentavam quadro exagerado de reação psicossomática.
Tempos depois, o “Billie e Park” subiu os andares, tomou conta do HC. Posteriormente, sofreu corruptela para “bilipak” e, mais tarde, nova corruptela para “piripaque”.
Hoje, piripaque é largamente usado, inclusive por jornalistas e escritores de todo o Brasil. Basta conferir “piripaque” no Google. Ainda não mereceu a honra de figurar no Aurélio ou no Houaiss, mas logo chegará lá.
Quando o dicionário se referir à origem do vocábulo, seu criador deveria ser lembrado, o Dr. Delmont Bittencourt, talentoso cirurgião, braço direito do Zerbini, os introdutores da cirurgia cardíaca em nosso meio.
*Publicado originalmente no Suplemento Cultural da Revista da Associação Paulista de Medicina, em setembro de 2017.
Fonte: Internet (circulando por e-mail e i-phones).

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog