domingo, 28 de março de 2021

A CARREIRA MILITAR DE UM SANTO BAIANO

           Nascido como Ilha de Vera Cruz e depois Terra de Santa Cruz, por sua formação católica, desde o Brasil-Colônia, o País se acostumou a conviver com a presença da Igreja em todas as esferas de sua vida social: comércio, literatura, educação, política etc.

Até nas forças armadas, a Igreja Católica se fazia presente, direta ou indiretamente. Como prova inconteste dessa vinculação foi a concessão da patente militar, no grau de soldado, ao primeiro padroeiro da cidade de Salvador, Bahia, que foi conferida à imagem do Santo Antônio do Forte da Barra em meados do século XVII, posteriormente elevada à capitão, em 1705.

Essa intrigante nomeação militar de Santo Antônio, que não era inusitada, pois outros santos foram igualmente aquinhoados, em diferentes tempos, aqui a alhures, é uma demonstração da forte presença da Igreja Católica na vida cultural e da popularização que o catolicismo viveu na sociedade baiana, por mais de quatro séculos, a partir da primeira missa rezada por frei Henrique de Coimbra em 1500.

A imagem do santo, no correr das centúrias, foi ganhando promoções e respectivos aumentos vencimentais, e só teve seu soldo cassado em 1912, quando já ocupava o posto de tenente-coronel.

O Frei Arnaldo Mota, ofm, frade cearense residente no convento franciscano de Salvador-BA, falou que a suspensão dos pagamentos, que eram recebidos pela ordem dos frades franciscanos menores, já que Santo Antônio fora membro dessa ordem, é atribuída a um comandante militar republicano, de comportamento reconhecidamente anticlerical.

Para não dizer que estava cassando a patente e o soldo correspondente, e diante dos reclamos de soteropolitanos contra suas medidas, o oficial-comandante determinou que o pagamento somente poderia ser feito, pessoalmente, ao santo, rechaçando intermediários, ainda que munidos de procuração passada em cartório com esse fito específico.

Decorridos mais de cem anos, até hoje Santo Antônio não compareceu para receber o que lhe é de direito, uma vez que segue como protetor da capital baiana. A despeito do seu ofício de protetor da cidade e provedor de casamentos das mulheres, encalhadas ou não, o santo não deve ter muito ou qualquer apego a pecúnia e bens materiais da vida mundana, valorizando apenas as questões espirituais.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Ombro, arma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2018. 112p. p.56-57.

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