Nascido como Ilha de Vera Cruz e depois Terra de Santa Cruz, por sua formação católica, desde o Brasil-Colônia, o País se acostumou a conviver com a presença da Igreja em todas as esferas de sua vida social: comércio, literatura, educação, política etc.
Até nas forças armadas, a Igreja Católica se fazia presente, direta
ou indiretamente. Como prova inconteste dessa vinculação foi a concessão da
patente militar, no grau de soldado, ao primeiro padroeiro da cidade de
Salvador, Bahia, que foi conferida à imagem do Santo Antônio do Forte da Barra
em meados do século XVII, posteriormente elevada à capitão, em 1705.
Essa intrigante nomeação militar de Santo Antônio, que não era
inusitada, pois outros santos foram igualmente aquinhoados, em diferentes
tempos, aqui a alhures, é uma demonstração da forte presença da Igreja Católica
na vida cultural e da popularização que o catolicismo viveu na sociedade
baiana, por mais de quatro séculos, a partir da primeira missa rezada por frei
Henrique de Coimbra em 1500.
A imagem do santo, no correr das centúrias, foi ganhando promoções
e respectivos aumentos vencimentais, e só teve seu soldo cassado em 1912,
quando já ocupava o posto de tenente-coronel.
O Frei Arnaldo Mota, ofm, frade cearense residente no convento
franciscano de Salvador-BA, falou que a suspensão dos pagamentos, que eram
recebidos pela ordem dos frades franciscanos menores, já que Santo Antônio fora
membro dessa ordem, é atribuída a um comandante militar republicano, de
comportamento reconhecidamente anticlerical.
Para não dizer que estava cassando a patente e o soldo
correspondente, e diante dos reclamos de soteropolitanos contra suas medidas, o
oficial-comandante determinou que o pagamento somente poderia ser feito,
pessoalmente, ao santo, rechaçando intermediários, ainda que munidos de
procuração passada em cartório com esse fito específico.
Decorridos mais de cem anos, até hoje Santo Antônio não compareceu
para receber o que lhe é de direito, uma vez que segue como protetor da capital
baiana. A despeito do seu ofício de protetor da cidade e provedor de casamentos
das mulheres, encalhadas ou não, o santo não deve ter muito ou qualquer apego a
pecúnia e bens materiais da vida mundana, valorizando apenas as questões
espirituais.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Ex-Presidente da Sobrames-Ceará
* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Ombro, arma! Médicos
contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2018. 112p. p.56-57.
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