quinta-feira, 18 de março de 2021

O QUE FALTA DIZER SOBRE VACINAS?

Por Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza (*)

Na década de 1850, circulava em Londres um panfleto (ancestral notório do Whatsapp) bradando que a vacina era "inútil, cruel e desumana".

Não fazia um século que Edward Jenner se apropriara de um conceito do folclore popular: a ideia de que mulheres que ordenhavam vacas e adquiriam a "varíola bovina" (vaccínia) eram imunes à terrível bexiga.

Esta, aliás, a doença que desfigurou Marcela, aquela que amou Brás Cubas "por quinze meses e onze contos de réis". Voltando da literatura à vida, a prática de inocular o vírus da vaca (vacina) para prevenir a varíola foi um sucesso, mas teve desde cedo seus detratores.

Ao longo do século XIX, Pasteur e seus colaboradores ampliaram o número de vacinas disponíveis, movimento que continuou ao longo do século XX.

Tal foi a euforia com vacinas e antibióticos que o Prêmio Nobel de Medicina McFarlane Burnett decretou, nos 1960s, "o fim das doenças infecciosas como dano social aos seres humanos".

Em 2021, a afirmação de Burnett nos traz um sorriso triste. No entanto, há algo a se comemorar. A vacinologia, nome atribuído à atividade de pensar em estratégias biológicas imunizantes, desenvolver produtos e por fim testá-los em humanos, tem se desenvolvido em velocidade sem precedentes. E assim, um ano após os primeiros casos de Covid-19, já dispomos de diversas vacinas em uso nos diferentes países.

Que vacina é a melhor? Qual a mais segura? Precisaremos de doses periódicas de reforço? Essas são dúvidas que só análises de longo prazo poderão responder.

O importante, porém, é que as vacinas disponíveis reduzem a chance de transmissão e os casos graves da Covid-19. Podem evitar o colapso dos sistemas de saúde, salvar vidas e reduzir a velocidade da pandemia. Mas para que isso aconteça, precisamos que grande parte da população (pelo menos 70-80%) seja vacinada. Isso depende de vários fatores, como a disponibilidade, logística de distribuição e, sobretudo, adesão dos brasileiros.

O momento não é para cabos de guerra políticos e afirmações xenofóbicas. Precisamos de muitas vacinas, chinesas, russas, inglesas, americanas... quantas conseguirmos, desde que se mostrem seguras e eficazes. Peço licença aqui para citar um dado pessoal. Recebi as duas doses da Coronavac, o que me deixa feliz e otimista. Eu sentiria o mesmo se recebesse a vacina da Aztra-ZênecaPfizer ou a Sputinik V.

Como descobriu Edward Jenner no século XVIII, grandes iniciativas tem inícios pequenos. A varíola foi erradicada na década de 1970. Quiçá em breve erradiquemos este vírus pandêmico. 

(*) Professor da Faculdade de Medicina da Unifesp.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/02/21. Opinião, p.21.

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