Por Eduardo Jucá (*)
A
autorização dos primeiros lotes de vacinas contra Covid-19 no
Brasil gerou uma onda de comemorações talvez incompatível com o tamanho da
tragédia. O imunizante é nossa maior esperança e devemos lutar pela
disponibilização da maior quantidade possível o quanto antes.
Entretanto,
o lento começo expôs o quanto a crise pode ser aumentada. A busca pelas doses
em um salve-se quem puder mal disfarçado pode ser bem
entendida se compararmos o quadro com três filmes conhecidos.
"O Poço" retrata
prisioneiros divididos em andares. A comida vem descendo andar por andar, e as
pessoas vão retirando sua parte. Quem está nos andares superiores desperdiça
enquanto quem está nos andares inferiores fica com o que sobrar.
Se
esta comida fosse a disponibilidade de vacinas no tempo e na quantidade
adequados, estaríamos bem abaixo.
Em "Titanic",
as vacinas equivalem aos botes salva-vidas e nossa sociedade é um navio que
afunda fraturado pelo iceberg da polarização e dos extremismos. Na corrida pela
sobrevivência vale tudo, incluindo fraudes e emprego de privilégios.
Por
fim, a "Lista de Schindler" descreve como é
angustiante tentar entrar no cadastro dos que serão salvos. Com menos doses do
que necessário, testemunhamos o esforço de pessoas que frequentam hospitais
diariamente no sentido de comprovarem seu direito de acesso ao imunizante.
A
escassez torna difícil a identificação das prioridades e o jogo de influências
ameaça um sistema que já luta com enormes desafios.
Como
afirmou o médico João Gabbardo, sempre na linha de frente do
combate à pandemia, "se todos são prioritários, ninguém é
prioritário". Ou como diria o profético Orwell, "todos são iguais,
mas alguns são mais iguais do que os outros".
(*) Médico
neurocirurgião pediátrico, professor, pesquisador e palestrante.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/2/2021. Opinião. p.28.
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