terça-feira, 23 de março de 2021

UMA VACINA E TRÊS FILMES

Por Eduardo Jucá (*)

A autorização dos primeiros lotes de vacinas contra Covid-19 no Brasil gerou uma onda de comemorações talvez incompatível com o tamanho da tragédia. O imunizante é nossa maior esperança e devemos lutar pela disponibilização da maior quantidade possível o quanto antes.

Entretanto, o lento começo expôs o quanto a crise pode ser aumentada. A busca pelas doses em um salve-se quem puder mal disfarçado pode ser bem entendida se compararmos o quadro com três filmes conhecidos.

"O Poço" retrata prisioneiros divididos em andares. A comida vem descendo andar por andar, e as pessoas vão retirando sua parte. Quem está nos andares superiores desperdiça enquanto quem está nos andares inferiores fica com o que sobrar.

Se esta comida fosse a disponibilidade de vacinas no tempo e na quantidade adequados, estaríamos bem abaixo.

Em "Titanic", as vacinas equivalem aos botes salva-vidas e nossa sociedade é um navio que afunda fraturado pelo iceberg da polarização e dos extremismos. Na corrida pela sobrevivência vale tudo, incluindo fraudes e emprego de privilégios.

Por fim, a "Lista de Schindler" descreve como é angustiante tentar entrar no cadastro dos que serão salvos. Com menos doses do que necessário, testemunhamos o esforço de pessoas que frequentam hospitais diariamente no sentido de comprovarem seu direito de acesso ao imunizante.

A escassez torna difícil a identificação das prioridades e o jogo de influências ameaça um sistema que já luta com enormes desafios.

Como afirmou o médico João Gabbardo, sempre na linha de frente do combate à pandemia, "se todos são prioritários, ninguém é prioritário". Ou como diria o profético Orwell, "todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros". 

(*) Médico neurocirurgião pediátrico, professor, pesquisador e palestrante.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/2/2021. Opinião. p.28.

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