Por Ana Miranda
(*)
Usam
máscaras de pano, desde pequenos, o mundo lhes parece mais distante, os sons
que suas bocas emitem saem abafados. Falam pouco, leem fragmentos, esquecem
palavras. Ficam mais em silêncio. Não podem ouvir muito claramente, não veem o
rosto das pessoas, apenas os olhos e os cabelos. Os óculos embaçam. Mas eles
têm voz.
Não
podem estar com amigos, brincar na pracinha, jogar no campinho, na poeira, na
areia, na lama, não vão ao cinema nem ao circo, não podem ter gente por perto e
sentem receio das pessoas. Acabaram-se festas de aniversário, passeios, soltar
pipa, ônibus escolares. Não podem visitar os avós, e quando os visitam, não
podem abraçá-los nem beijá-los. Aprendem que os toques contaminam, precisam
lavar as mãos constantemente. É o novo normal, dizem.
Não
podem ir à escola, precisam estudar e aprender pelo celular que é uma extensão
do corpo. Uns ligam o celular para receber os pontos, mas saem de perto. Há
menos atividades. Os professores são imagens de luz e som, voláteis, quase não
existem. Crianças pobres ficam de fora das escolas, sem comer a merenda. A fome
é fulminante. Uns seguem favorecidos pela sorte, têm afeto, amor em suas vidas,
alimento à mesa, computador ou laptop, professores particulares. Crianças ficam
sozinhas em casa, os pais saem para trabalhar e podem não voltar. Outras
convivem com pais que eram ausentes e agora trabalham em casa que é também
escritório e empresa. Todos são manipulados por algoritmos. Recebem fartos
dados pela internet. O universo é digital.
Perdem
cedo a infância. Sentem-se responsáveis pelo mundo. Conhecem a violência, ouvem
ameaças. Sabem que o desemprego ronda, têm a preocupação de adultos, sentem a
força do furacão social que o isolamento traz. A rua é perigosa, a casa é uma
bolha. Uns não têm casa, ou todos se amontoam num quarto. Sabem o que se passa
no mundo, ouvem números de pessoas que morreram, parentes falecem isolados.
Médicos, enfermeiros são super-heróis. A morte é uma senhora que mora ao lado.
Crescem, amadurecem depressa demais.
Encontram
amizade por aplicativos. Têm a sensação de que da noite para o dia tudo pode
mudar. Há uma desmaterialização da vida, não há mais o corpo, há menos relações
de amor. São vigiados pelos pais, e criam menos identidades para si. Vivem num
mundo sem privacidade, a intimidade é cada vez mais invadida. Difícil distinguir
realidade e fantasia. Fazem conexões entre doenças e destruição climática,
entre vírus e natureza maltratada. A sustentabilidade é uma macrotendência,
porém a sociedade ficou mais individualista. O mundo é ao mesmo tempo pequeno e
imenso.
Vivem
num ambiente hostil, inseguro, têm ansiedade ou medo. São mais criativos, porém
mais conservadores. Recebem o diploma em cerimônias virtuais, não sabem se tem
valor. Uns sentem raiva, querem atirar, outros se fecham para o mundo, tomam
pavor de retornar ao convívio. Uns não conseguem trabalho, pegam a primeira
oportunidade, seja qual for. Ainda não se sabe quais os frutos deste tempo, a
Geração Covid está sendo observada. Esperamos que aprenda a solidariedade e que
não perca o dom de sonhar.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/02/21. Vida & Arte, p.2.
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