Por Tales de Sá
Cavalcante (*)
Dizia
o imortal Genuino Sales que toda ficção tem algo de real. É o
que aqui acontece com as vacinas irreais.
Como
em "Cotidiano", de Chico Buarque, Josiana fez tudo sempre
igual. Sacudiu o marido às 6h da manhã, sorriu-lhe um sorriso pontual, beijou-o
com a boca de hortelã e disse para ele se cuidar.
Mas
naquele dia, sua atuação não foi a cotidiana, a fazer tudo sempre igual e
mostrar a seringa descartável, o rótulo do invólucro que contém
características do imunizante e a retirada do líquido mágico a
transferir-se do tubo para a bisnaga e depois ao braço do beneficiário.
Resolveu
escolher uma vítima entre os mais velhos e, no divino momento,
não pressionou o êmbolo.
Alguns
colegas fizeram o mesmo, uns de idêntica e outros de diferente forma. Mas tudo
foi filmado. E a polícia entrou no caso, a atestar que nossa principal crise
atual não é sanitária nem financeira, é moral.
Quantos
desses delitos se deram e não foram notados? Talvez, muitos
até levaram a óbito. Se para ajudar ou comercializar, foi crime. E dos piores.
Felizmente,
a imensa maioria dos profissionais de saúde é formada por mulheres e homens de boa
índole, que jamais cometeriam tais atos. Ao contrário, vários
sacrificaram suas vidas em prol de outras a salvar, e a maior falha na gestão
da pandemia foi não reconhecer a sua abnegação.
Terezinha
integrava essa maioria e se deslocou a uma comunidade indígena na
Amazônia para imunizar o grande líder da região e seu povo, que o idolatrava.
No
trajeto, ela refletia sobre os graves erros de seus colegas e lembrava a
existência de outras vacinações falsas, quais sejam, as de muitos
políticos, cujas seringas são suas promessas.
Ao
ingressar na aldeia, lágrimas revelaram sua tristeza ao constatar que a vacina
não chegara a tempo. Dava-se, naquele instante, o funeral do cacique, vitimado
pela Covid-19.
Ao
voltar, ela admirava a beleza de nossa Amazônia e, ao recordar
a importância mundial de sua preservação, tornou a chorar e refletiu: "Eu
sei quem matou o notável indígena. Foi o tempo. Mas haverá um outro tempo. Será
o que dedicarei a descobrir quem foram os mandantes.”
(*) Reitor do FB
UNI e Dir. Superintendente da Org. Educ. Farias Brito. Membro da Academia
Cearense de Letras.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 11/3/21. Opinião, p.18.
Nenhum comentário:
Postar um comentário