Por Roberto da Justa Pires Neto
(*)
É inacreditável
que, passado mais de ano da descoberta do novo coronavírus, depois do
sequenciamento do seu genoma e de milhares de pesquisas científicas que
culminaram com o desenvolvimento em tempo recorde de vacinas, ainda seja
pautado e propagado o uso de medicamentos que não se mostraram eficazes no
tratamento da doença.
Uma mistura de cinismo, acobertamento
de incompetência na
coordenação das ações de combate à pandemia pelo Governo Federal e tentativa
de manipulação da fé e
da espiritualidade das pessoas remonta à Idade Média e perpetua essa pauta no
País.
É o que se extrai da narrativa do senador Luís
Eduardo Girão, em artigo recente publicado em O POVO. O uso indiscriminado
de cloroquina, ivermectina, azitromicina, vitamina D e zinco na atual
crise não encontra paralelo em nenhum outro país.
Não é recomendado por nenhuma entidade
séria e, atualmente, não passa de uma grande farsa. Tal conclusão se dá
pela observância ao que há de mais relevante e publicado na literatura
científica.
E aqui não cabem estudos de má qualidade, sem
metodologia adequada, não submetidos ao crivo de outros pesquisadores e com
resultados e conclusões questionáveis.
Uma farsa que contou com a conivência do
Conselho Federal de Medicina (CFM) e a precipitação de quem divulgou "protocolos"
sem lastro científico, além do oportunismo de alguns planos de saúde que
disponibilizaram "kits Covid".
O estímulo ao uso de medicamentos sem
benefício comprovado vai contra tudo o que se aprende em cursos de
graduação e pós-graduação.
A chancela dessa aberração pela entidade médica
maior (CFM) vai de encontro a um dos princípios fundamentais da
bioética, "primum non nocere" ("antes de tudo, não
fazer mal" - ao paciente) e distorce a compreensão do que é autonomia médica.
Tal farsa tem um custo muito elevado, financeiro e
principalmente de vidas perdidas. Muitos acreditaram nisso e relaxaram em
medidas que realmente funcionam, como isolamento social, uso de máscara,
higienização das mãos. Em outras palavras, essa crença levou muitos à morte.
A história julgará muito em breve todos que
colaboraram com esta farsa do "tratamento
precoce", desrespeitaram pacientes, familiares e profissionais de
saúde, que mandaram o povo procurar vacina "na casa da mãe" e
insistiram em uma falsa dicotomia entre "vida ou trabalho".
Ainda haveria tempo para arrependimento e
reparação?
(*) Médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFC.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/3/2021. Opinião.
p.23.
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