quarta-feira, 21 de abril de 2021

"TRATAMENTO PRECOCE" É FARSA, SENADOR

Por Roberto da Justa Pires Neto (*)

É inacreditável que, passado mais de ano da descoberta do novo coronavírus, depois do sequenciamento do seu genoma e de milhares de pesquisas científicas que culminaram com o desenvolvimento em tempo recorde de vacinas, ainda seja pautado e propagado o uso de medicamentos que não se mostraram eficazes no tratamento da doença.

Uma mistura de cinismo, acobertamento de incompetência na coordenação das ações de combate à pandemia pelo Governo Federal e tentativa de manipulação da fé e da espiritualidade das pessoas remonta à Idade Média e perpetua essa pauta no País.

É o que se extrai da narrativa do senador Luís Eduardo Girão, em artigo recente publicado em O POVO. O uso indiscriminado de cloroquina, ivermectina, azitromicina, vitamina D e zinco na atual crise não encontra paralelo em nenhum outro país.

Não é recomendado por nenhuma entidade séria e, atualmente, não passa de uma grande farsa. Tal conclusão se dá pela observância ao que há de mais relevante e publicado na literatura científica.

E aqui não cabem estudos de má qualidade, sem metodologia adequada, não submetidos ao crivo de outros pesquisadores e com resultados e conclusões questionáveis.

Uma farsa que contou com a conivência do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a precipitação de quem divulgou "protocolos" sem lastro científico, além do oportunismo de alguns planos de saúde que disponibilizaram "kits Covid".

O estímulo ao uso de medicamentos sem benefício comprovado vai contra tudo o que se aprende em cursos de graduação e pós-graduação.

A chancela dessa aberração pela entidade médica maior (CFM) vai de encontro a um dos princípios fundamentais da bioética, "primum non nocere" ("antes de tudo, não fazer mal" - ao paciente) e distorce a compreensão do que é autonomia médica.

Tal farsa tem um custo muito elevado, financeiro e principalmente de vidas perdidas. Muitos acreditaram nisso e relaxaram em medidas que realmente funcionam, como isolamento social, uso de máscara, higienização das mãos. Em outras palavras, essa crença levou muitos à morte.

A história julgará muito em breve todos que colaboraram com esta farsa do "tratamento precoce", desrespeitaram pacientes, familiares e profissionais de saúde, que mandaram o povo procurar vacina "na casa da mãe" e insistiram em uma falsa dicotomia entre "vida ou trabalho".

Ainda haveria tempo para arrependimento e reparação? 

(*) Médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFC.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/3/2021. Opinião. p.23.


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