sábado, 12 de fevereiro de 2022

Causo Médico: SÓ A CABEÇA... SEM CRIANÇA

Em uma manhã de sábado, o cirurgião pediátrico do HIAS, Dr. Augusto Taveira (nome fictício), fazia a visita de enfermaria, acompanhado de médicos residentes e internos, oportunidade em que discutia com o grupo a conduta a ser adotada em um garoto portador de uma endocrinopatia rara.

Coube a R3 de Pediatria fazer a descrição do caso clínico, cujo destaque principal estava na irregularidade dos níveis glicêmicos da criança, com predominância de marcada hipoglicemia.

Após longa discussão sobre o diagnóstico diferencial, englobando as endocrinopatias da infância, o Dr. Taveira deu o seu veredicto:

– Trata-se, evidentemente, – meus caros alunos – de um raro caso de insulinoma.

 – O que vem a ser isso? – indagou um interno recém-admitido no Serviço de Pediatria.

– É um tumor das células beta das ilhotas de Langerhans.

– Onde fica isso, professor? É no Atlântico? – provocou o estudante, denunciando a sua formação capenga, ao tempo em que quis bancar o engraçadinho.

O cirurgião pediátrico quedou-se, a princípio, estupefato com a estupidez do interlocutor metido a engraçadinho; porém, contendo a sua indignação diante da dúvida de assunto ensinado em Biologia do curso colegial, rogou a que outro interno esclarecesse ao colega:

– Por favor, expliquem ao colega com hipossuficiência de conhecimentos! –tripudiou o preceptor.

– É no pâncreas – respondeu uma interna, muito solicitamente.

– Qual é a função dessas células alfa? – insistiu o aluno ignorante.

– Você está confundindo as coisas. Acho que tudo parece “grego” para você: não é alfa, e sim, beta – explicou a R3.

O Dr. Augusto Taveira decidiu pôr um fim naquele diálogo, antes que descambasse para um estranhamento entre os seus comandados, pontuando:

– Esse tumor causa um hiperfuncionamento das células beta, produtoras de insulina, cujo excesso na corrente sanguínea leva ao quadro de crises hipoglicêmicas dessa criança.

– E o que se deve fazer para resolver o problema? – perguntou a R1.

– A melhor conduta é cirúrgica e consiste em amputar parte da estrutura anatômica do pâncreas.

– E como é essa operação, Dr. Taveira? – inquiriu a R3.

– Bem eu vou cortar ao nível do corpo e deixarei só a cabeça. Isso vai reduzir, temporariamente, as crises de hipoglicemia, aumentando, assim, a sobrevivência do paciente e concedendo-lhe melhor qualidade de vida.

Terminada a discussão clínica, o Dr. Augusto e a sua equipe dirigiram-se à enfermaria vizinha, para avaliação de outros pacientes.

Enquanto isso, naquela enfermaria permanecera apenas a médica plantonista, a Dra. Fátima Araújo (nome fictício), cuidando das prescrições das crianças ali internadas. Foi quando teve o seu trabalho interrompido pelo choro incontido da mãe da criança que acompanhara atentamente as explanações sobre a doença do filho e o tratamento a ser aplicado.

– O que houve, mãe? Por que você está chorando?

– Eu quero o meu filho é inteiro! – exclamou a zelosa mãe.

– Como assim? O seu menino não será partido!

– Mas aquele doutor disse que ia cortar o corpo e deixar só a cabeça. Mesmo que ele não morra, eu não quero ficar só com a cabeça dele.

Foi com extrema dificuldade que a Dra. Fátima Araújo desfez o mal-entendido, explicando os detalhes do procedimento cirúrgico a ser praticado, acalmando, assim, a inquietação materna.

Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. Fortaleza: Edição do Autor, 2012. 120p. p.19-21.

* Republicado In: AMC. Causos médicos Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Janeiro de 2022 - Edição n.09, p.13 (em pdf).

Nenhum comentário:

Postar um comentário