Em uma manhã de sábado, o cirurgião
pediátrico do HIAS, Dr. Augusto Taveira (nome fictício), fazia a visita de
enfermaria, acompanhado de médicos residentes e internos, oportunidade em que
discutia com o grupo a conduta a ser adotada em um garoto portador de uma
endocrinopatia rara.
Coube a R3 de Pediatria fazer a descrição do
caso clínico, cujo destaque principal estava na irregularidade dos níveis
glicêmicos da criança, com predominância de marcada hipoglicemia.
Após longa discussão sobre o diagnóstico
diferencial, englobando as endocrinopatias da infância, o Dr. Taveira deu o seu
veredicto:
– Trata-se, evidentemente, – meus caros
alunos – de um raro caso de insulinoma.
– O
que vem a ser isso? – indagou um interno recém-admitido no Serviço de
Pediatria.
– É um tumor das células beta das ilhotas de
Langerhans.
– Onde fica isso, professor? É no Atlântico?
– provocou o estudante, denunciando a sua formação capenga, ao tempo em que
quis bancar o engraçadinho.
O cirurgião pediátrico quedou-se, a
princípio, estupefato com a estupidez do interlocutor metido a engraçadinho;
porém, contendo a sua indignação diante da dúvida de assunto ensinado em
Biologia do curso colegial, rogou a que outro interno esclarecesse ao colega:
– Por favor, expliquem ao colega com
hipossuficiência de conhecimentos! –tripudiou o preceptor.
– É no pâncreas – respondeu uma interna,
muito solicitamente.
– Qual é a função dessas células alfa? – insistiu
o aluno ignorante.
– Você está confundindo as coisas. Acho que
tudo parece “grego” para você: não é alfa, e sim, beta – explicou a R3.
O Dr. Augusto Taveira decidiu pôr um fim
naquele diálogo, antes que descambasse para um estranhamento entre os seus
comandados, pontuando:
– Esse tumor causa um hiperfuncionamento das
células beta, produtoras de insulina, cujo excesso na corrente sanguínea leva
ao quadro de crises hipoglicêmicas dessa criança.
– E o que se deve fazer para resolver o
problema? – perguntou a R1.
– A melhor conduta é cirúrgica e consiste em
amputar parte da estrutura anatômica do pâncreas.
– E como é essa operação, Dr. Taveira? – inquiriu
a R3.
– Bem eu vou cortar ao nível do corpo e
deixarei só a cabeça. Isso vai reduzir, temporariamente, as crises de
hipoglicemia, aumentando, assim, a sobrevivência do paciente e concedendo-lhe
melhor qualidade de vida.
Terminada a discussão clínica, o Dr. Augusto
e a sua equipe dirigiram-se à enfermaria vizinha, para avaliação de outros
pacientes.
Enquanto isso, naquela enfermaria
permanecera apenas a médica plantonista, a Dra. Fátima Araújo (nome fictício),
cuidando das prescrições das crianças ali internadas. Foi quando teve o seu
trabalho interrompido pelo choro incontido da mãe da criança que acompanhara
atentamente as explanações sobre a doença do filho e o tratamento a ser
aplicado.
– O que houve, mãe? Por que você está
chorando?
– Eu quero o meu filho é inteiro! – exclamou
a zelosa mãe.
– Como assim? O seu menino não será partido!
– Mas aquele doutor disse que ia cortar o
corpo e deixar só a cabeça. Mesmo que ele não morra, eu não quero ficar só com
a cabeça dele.
Foi com extrema dificuldade que a Dra.
Fátima Araújo desfez o mal-entendido, explicando os detalhes do procedimento
cirúrgico a ser praticado, acalmando, assim, a inquietação materna.
Fonte:
SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos.
Fortaleza: Edição do Autor, 2012. 120p. p.19-21.
* Republicado In: AMC. Causos médicos Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Janeiro de 2022 - Edição n.09, p.13 (em pdf).
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