Mastigmatismo...
...
Deve ser doença de origem mastigativa, caracterizada pela dificuldade de mexer
a taba do queixo quando da trituração do alimento na cavidade bucal, causando
distorção no envio do dicumê em busca goela. É o mal de que diz sofrer o
Dandão, que na bodega de Zé Piaba, duns dias para cá, chega
"capiongo", se abanca a um canto e bebe sem provar um
"firilo" de tira-gosto. Se mela ligeiro. Só abre a boca pra dizer as
tradicionais besteiras, sempre que se sente "provocado".
Fica que nem estauta, ouvindo as lorotas
do povo frequentador, pra logo se intrometer na conversa e dar suas versões,
seja do que for. Não passa batido numa sequer, como nessa aqui. Um sujeito
franzino de ôi trocado se pabulava de haver morado no Rio de Janeiro. Conta ao
bodegueiro Zé Piaba que era pintor de parede e conheceu a cantora Vanderléa, a
quem chamava na intimidade de "Vandeca". Dandão calado.
Com pouco, fala que "a eterna
Ternurinha, ícone da Jovem Guarda" deu-lhe 200 contos de gorjeta pela
pintura da casinha do cachorro dela; que Vanderléa aceitou o convite dele pra
comerem preá torrado no Icó; que a ouviu cantar, do banheiro em que ele deu
duas demãos de cal, "essa é uma prova de fogo..." Foi a gota d'água.
Dandão não suportou e partiu pro ataque. Levanta-se do tamborete e grita aporrinhado:
- Marrapaz!!! Adivinha quem sentou a
privada desse banheiro de Varderléa? Chuta?
Frescando menos, amando mais!
Conhece o poeta Francisco Joaquim -
Quinca de dona Líbia? Pense num caba bom de rima! Enviou-me duas estrofes do
seu poema "Pra voar as bandas". Ele indignado com o mundo
presentemente, "escalafabético até o novelo"; sei o que é isso não,
mas concordo.
Eita
fulerage grande
Mundo véi chêi de munganga
Natureza aguniada
Povo arrombado na zanga
Falta amor, sobra maldade
E o que se vê na cidade
É o cão chupando manga
Mas
não abra nem prum trem
Carregado de besouro:
Ame muito, seja a paz
Mais forte do que um touro
Ame muito, queira bem
Dê o grau no xenhenhém
Eis aí o seu tesouro
Comemorar o quê?
História real: morreu João Calango, tem
uns dias. Companheiros de merol do bar do Gildo, onde o finado vivia internado,
lamentam o passamento súbito. Todos! Quer dizer, quase todos. Fernando de dona
Elvira quer comemorar. Moçada se invoca com o telefonema de Nandinho,
convocando o povo pra reunião de urgência.
- Tá doido, chapa? Nosso irmão bateu as
botas e tu...
- Calma, colega! Calma! Soube há pouco
que Calango morreu de repente...
- Ah, não foi da pandemia?
- Não!...
- Sendo assim...
Fonte: O POVO, de 4/02/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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