sexta-feira, 29 de abril de 2022

Crônica: “O centurião sem futuro!!!” ... e outro causo

O centurião sem futuro

Aproveitando a Semana Santa, lembrei algumas histórias da Paixão do Cristo segundo a mundiça. Como a do locutor matuto que, enviesado, começou a marmota anunciando o espetáculo a céu aberto na pracinha do Olho D'água, "beirando a noitinha", aos berros na radiadora:

- Não perdam, às sete horas, a Paxão de Cristo no Gináso Dão Pêdo! Vai ser chibata muuuuuita!!!

Tudo porque os atores da Paixão de Cristo de Olho D'água quiseram impor ares de veracidade máxima ao teatro e o espetáculo terminou, sim, em mão de peia. A crucificação do Nazareno, nas barbas da multidão, mostrava o ator no papel do Nazareno sendo colado à cruz de carnaúba com cola de sapateiro; braços, tronco e pernas com amarrados com a corda dum cacimbão.

Claro que eles fingiram colocar pregos nas mãos do filho de Maria, passando esparadrapo nos pulsos... O problema foi a cavação do buraco para ali posicionar o madeiro infamante, na vertical costumeira. Raso sobremodo. O Cristo-ator, de rabo de olho, percebeu que a cova estava miudinha demais, e deu um toque pro centurião, falando baixinho pra plateia não notar:

- Ei, macho! Cava mais uma coisinha! Senão a cruz cai e eu 'papóco' com linha e tudo!

O malvado comandante de centúria da Roma antiga não deu cabimento ao colega crucificado e o rebolou "apregado ao instrumento de suplício" no buraquinho de apenas palmo e meio de fundura. O povo foi às lágrimas. Aí um vento extemporâneo soprou nos peitos do Cristo e a cruz, por força também do peso do Messias-ator, foi derreando aos poucos para trás. Temendo cair de costas pesadamente, o Filho do Homem gritou desesperado:

- Centurião fí duma éééégua!!! Num falei que eu caiiiiir!!! Fulerage sem futuuuuuuro!!!

E caiu... Com toda linha! Mão de tabefe pra mais de mil no Olho D'água!

Cambirimbas

Fortaleza, década de 30. O senhor Estevam Emygdio, comerciante de café (futuramente o genitor do amigo especialista em Logística Internacional Marcos De Castro), é chamado a "prestigiar" o enterro da mãe de um conhecido taxista. Sepultamento no São João Batista.

Ligeira missa de corpo presente é rezada. Carpideiras capricham da ladainha. Chororô ouvido no Sétimo Céu. Seu Estevam, um dos Irmãos Emygdio (os lendários "Homens de Branco"), estava ao lado dos coveiros, em posição de preparo do buraco (pra fazer descer o caixão), quando ocorre marmota que ora lhes repito.

Um sujeito até agora não-identificado irrompe do nada, sustando toda a movimentação funérea. Seria Willian Peter Bernard, poeta baudeleriano da cidade nossa descalça de antanho, como sempre melado? Seria Tertuliano, metido em indumentária de profeta, ele que se considerava um enviado de Deus? Não se soube. Certo é que, dissoluto, o sujeito falou:

- Parai, coveiros!!!

Todos se entreolham assustados. O intrometido audaz, mirando o céu e apontando para o taxista que perdera a mãe, vizinhos que eram nas Cambirimbas (bairro onde está o Mercado São Sebastião hodierno), dispara versejante:

- Esta nuvem que vai passando, meus amigos / Não é nuvem, é o braço dum macaco / A mãe deste nosso amigo, ontem nas Cambirimbas / Hoje neste buraco...

Fonte: O POVO, de 15/04/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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