O centurião sem futuro
Aproveitando
a Semana Santa, lembrei algumas histórias da Paixão do Cristo segundo a
mundiça. Como a do locutor matuto que, enviesado, começou a marmota anunciando
o espetáculo a céu aberto na pracinha do Olho D'água, "beirando a
noitinha", aos berros na radiadora:
-
Não perdam, às sete horas, a Paxão de Cristo no Gináso Dão Pêdo! Vai ser
chibata muuuuuita!!!
Tudo
porque os atores da Paixão de Cristo de Olho D'água quiseram impor ares de
veracidade máxima ao teatro e o espetáculo terminou, sim, em mão de peia. A
crucificação do Nazareno, nas barbas da multidão, mostrava o ator no papel do
Nazareno sendo colado à cruz de carnaúba com cola de sapateiro; braços, tronco
e pernas com amarrados com a corda dum cacimbão.
Claro
que eles fingiram colocar pregos nas mãos do filho de Maria, passando
esparadrapo nos pulsos... O problema foi a cavação do buraco para ali
posicionar o madeiro infamante, na vertical costumeira. Raso sobremodo. O
Cristo-ator, de rabo de olho, percebeu que a cova estava miudinha demais, e deu
um toque pro centurião, falando baixinho pra plateia não notar:
-
Ei, macho! Cava mais uma coisinha! Senão a cruz cai e eu 'papóco' com linha e
tudo!
O
malvado comandante de centúria da Roma antiga não deu cabimento ao colega
crucificado e o rebolou "apregado ao instrumento de suplício" no
buraquinho de apenas palmo e meio de fundura. O povo foi às lágrimas. Aí um
vento extemporâneo soprou nos peitos do Cristo e a cruz, por força também do
peso do Messias-ator, foi derreando aos poucos para trás. Temendo cair de
costas pesadamente, o Filho do Homem gritou desesperado:
-
Centurião fí duma éééégua!!! Num falei que eu caiiiiir!!! Fulerage sem
futuuuuuuro!!!
E
caiu... Com toda linha! Mão de tabefe pra mais de mil no Olho D'água!
Cambirimbas
Fortaleza,
década de 30. O senhor Estevam Emygdio, comerciante de café (futuramente o
genitor do amigo especialista em Logística Internacional Marcos De Castro), é
chamado a "prestigiar" o enterro da mãe de um conhecido taxista.
Sepultamento no São João Batista.
Ligeira
missa de corpo presente é rezada. Carpideiras capricham da ladainha. Chororô
ouvido no Sétimo Céu. Seu Estevam, um dos Irmãos Emygdio (os lendários
"Homens de Branco"), estava ao lado dos coveiros, em posição de
preparo do buraco (pra fazer descer o caixão), quando ocorre marmota que ora
lhes repito.
Um
sujeito até agora não-identificado irrompe do nada, sustando toda a
movimentação funérea. Seria Willian Peter Bernard, poeta baudeleriano da cidade
nossa descalça de antanho, como sempre melado? Seria Tertuliano, metido em
indumentária de profeta, ele que se considerava um enviado de Deus? Não se
soube. Certo é que, dissoluto, o sujeito falou:
-
Parai, coveiros!!!
Todos
se entreolham assustados. O intrometido audaz, mirando o céu e apontando para o
taxista que perdera a mãe, vizinhos que eram nas Cambirimbas (bairro onde está
o Mercado São Sebastião hodierno), dispara versejante:
-
Esta nuvem que vai passando, meus amigos / Não é nuvem, é o braço dum macaco /
A mãe deste nosso amigo, ontem nas Cambirimbas / Hoje neste buraco...
Fonte: O POVO, de 15/04/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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