Por Valdester Cavalcante Pinto
Júnior (*)
A cardiopatia congênita é a principal
causa de óbitos no período neonatal. No Ceará nascem, por ano, 1.302
cardiopatas e, dessas, 1.042 necessitam de cirurgias. Com acesso exclusivo pelo
SUS são 896 procedimentos/ano. Realizam-se 396 cirurgias/ano com déficit de 66%
(MS/HCOR, 2018).
Avaliação realizada pelo HCOR-SP e DCCVPed-SBCCV,
solicitada pelo Ministério da Saúde, em 2018, analisou 54 unidades
habilitadas em Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, no Brasil, de um total de 69
unidades. Vinte daquelas tinham produção abaixo do estabelecido pela Portaria
Nº 210, e dez não indicavam produção.
Desvela-se uma realidade nos últimos 20 anos.
Há um abismo entre o real e as normas, metas e financiamento para a
atenção à saúde. Passam governos e reeditam-se portarias, festejam-se
lançamentos, mas os resultados não impactam na quantidade de procedimentos,
tampouco na sobrevida das crianças.
O acesso é precário, sendo tão mais difícil quanto
mais distante dos centros de referência. Acolhemos por aqui crianças de
outros estados, num esforço de ajudar aqueles para os quais o tempo é exíguo.
Assim, acumulam-se crianças e mesmo as de menor complexidade, pelo tempo de
espera, passam a experimentar piora progressiva, chegando à inoperabilidade.
O foco nos números e gráficos, o apreço às normas,
escritas em gabinetes e validadas por consultas públicas com pouca
relevância, distanciam gestores dos cidadãos que clamam por socorro. Falta
olhar nos olhos dessas crianças; segurar nas mãos das mães angustiadas; visitar
a vida real, experimentar do choro escondido ou do compartilhado com as
famílias diante da perda, por vezes, dada a gravidade ou, em muitas, pela falta
do cuidado em tempo.
Portanto, é necessário
desenvolver governança com empatia, levar em consideração na tomada
de decisão que cada vida conta e que acesso a saúde não é um privilégio - é,
acima de tudo, um direito constitucional.
(*) Médico. Fundador e diretor
técnico do Incor Criança.
Fonte: Publicado In:
O Povo, de 6/06/2022. Opinião. p.16.
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