Só esqueço das coisas que
não me lembro
As
nuvens despejam ameaças de algum lugar do céu. E as que chegavam à mente do
Didato - alcunha de Adeotado Menezes - certamente vinham do andar de cima,
porquanto mais intensas. Por um motivo aparentemente sem ventura: buliam nas
orelhas do moço. Ah, as "urêa" do Didato! Sabe aquelas bacias de
botar massa da mandioca pra preparar a carimã, perto dos 20 quilos? Era a
natural dimensão da lapa das estruturas que compõem o sistema auditivo do
sujeito.
"Todos
encontramos dificuldades no caminho em que transitamos", consolava-lhe a
mãe Valtéria. Didato, contudo, refratário a quaisquer desculpas, especialmente
na pandemia. Por força dos cuidados da genitora. Usando sempre a máscara tipo
PFF2, as orelhas de Didato envergaram 180º em relação ao que fora quando aos 15
anos. Realmente estranho, aquilo, na cabeça miúda dele. As reclamações chegaram
a Deus.
-
Mãe, Ele esqueceu da minha pessoa!
-
Filho, Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas, a
perfeição!
-
Mas errou na mão quando fez minhas orelhas! Na pandemia espichou ainda mais
elas!
-
Não fale assim do Deus onipotente, soberanamente justo e bom, eterno,
imutável...
-
Quer dizer então que eu morrer com essa chapuleta de orelha, mamãe?
Foi
quando pela primeira vez na história da humanidade, pronunciou-se a celebérrima
frase de que muito se tem utilizado o apóstolo dos cachorros Jair Moraes, ao
falar da destinação do homem no Planeta:
-
É, filho! Somos todos bicho de urêa!
Os leões da praça
"Feijão
Sem Banha", como era conhecido, protagonizou histórias hilárias, hoje
contadas a rodo pela negada. Uma delas: cruzava a Praça General Tibúrcio (Praça
dos Leões) com o filho Feijãozinho quando o menino, mirando amedrontado aqueles
bichos (dois leões e um tigre) tão genialmente esculturados, gritou de pavor:
-
Pai, segura minha mão! Vai que eles pulam em riba de nós!
-
Fica tranquilo, filho! Esses leões são de estauta!
Na
sequência, pegam o ônibus - quando havia parada na Praça José de Alencar - pra
seguir em busca de casa. Era boquinha da noite. Nesse tempo, uma das empresas,
salvo engano a Fortaleza, estava colocando em circulação alguns carros novos
equipados com as tais "borboletas", geringonça fixada no centro do
corredor, onde eram feitas as cobranças. A novidade facilitava o serviço do
cobrador.
Ocorre
que o cobrador da dita linha descera do carro rapidinho pra tomar um café,
deixando o equipamento temporariamente travado. O carro tinha já uns 15
passageiros devidamente aboletados. Que fez Feijão Sem Banha, tentando dar uma
de esperto? Pulou a borboleta com Feijãozinho no colo. Um gaiatado, vendo a
arrumação, gritou:
-
Pulando a borboleta, hein? Tem medo de ser preso não?
-
Tenho medo nem de cobra, avalí de borboleta!!!
Ripofobia
O
"intestino tímido" (parcopresis) aturdia Tica de Dona Mozinha. Nada
lhe fazia sair de casa, aos 48 anos. Até que enfim aceitou a ajuda de um psicólogo,
que vasculharia o que havia por trás de tão grave apatia, "medonho
medo" de conhecer o mundo lá fora. Desabafou já na primeira consulta:
-
Doutor, tenho fé em Deus que se eu conseguir obrar fora de casa, serei outra
criatura!
Fonte: O POVO, de 12/08/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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