Por Pedro Jorge Ramos Vianna (*)
Eu
moro na Aldeota, no décimo segundo andar. Já presenciei as visitas inesperadas
de morcegos e urubus. Mas, hoje, vou escrever sobre a beleza, a elegância, a
coragem. Sobre um Gavião.
Foi
uma experiência inédita. Estava na minha varanda, quando passou muito pertinho,
voando com a elegância que lhe é peculiar, um gavião. Não consegui descobrir
a raça. Seria um caracará, ou um acauã? Passou e foi pousar em uma antena
de edifício no outro lado da rua. O porte elegante demonstrava que ali estava
um vencedor.
Por
que vencedor? Pela simples sobrevivência em ambiente hostil, pela luta diária
de continuar vivo, pela luta pela procriação, pela preservação da espécie.
E
nós brasileiros, escravos da rotina, da violência, vivendo cada vez mais em
ambientes hostis, o que somos? Vencedores? Não, perdedores. Perdedores por não
termos coragem de nos insurgir contra este estado de coisas. Perdedores por
votarmos em quadrilha no lugar de votarmos em partido.
Perdedores por elegermos ladrões, calhordas, salafrários.
Dada
esta situação vale transcrever dois poemas: um de Eduardo Alves da Costa (somente
um trecho), outro de Bertold Brecht.
O
poema de Eduardo A. da Costa se chama "No Caminho com
Maiakovski", do qual reproduzo a seguinte parte:
"Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se
escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E
já não podemos dizer nada."
O
segundo, "Primeiro levaram os negros", de Eugen Bertolt Friedrich
Brecht, diz:
"Primeiro levaram os
negros.
Mas, não me importei com isso.
Eu não sou negro.
Em seguida levaram alguns operários.
Mas, não me importei com isso.
Eu também não sou operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Mas, não me importei com isso.
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
Mas, como tenho meu emprego
Também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas, já é tarde.
Como não me importei com ninguém,
ninguém
se importa comigo."
Até
quando não diremos nada? Até quando não nos importaremos com ninguém? Até
quando vamos deixar que muitos cearenses morram na miséria? Até
quando vamos eleger energúmenos para nos governar?
O
Gavião é muito mais digno de admiração, que nós brasileiros.
(*) Economista e professor titular
aposentado da UFC
Fonte: O Povo, de 3/7/22. Opinião. p.18.
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