terça-feira, 23 de agosto de 2022

O GAVIÃO E NÓS BRASILEIROS

Por Pedro Jorge Ramos Vianna (*)

Eu moro na Aldeota, no décimo segundo andar. Já presenciei as visitas inesperadas de morcegos e urubus. Mas, hoje, vou escrever sobre a beleza, a elegância, a coragem. Sobre um Gavião.

Foi uma experiência inédita. Estava na minha varanda, quando passou muito pertinho, voando com a elegância que lhe é peculiar, um gavião. Não consegui descobrir a raça. Seria um caracará, ou um acauã? Passou e foi pousar em uma antena de edifício no outro lado da rua. O porte elegante demonstrava que ali estava um vencedor.

Por que vencedor? Pela simples sobrevivência em ambiente hostil, pela luta diária de continuar vivo, pela luta pela procriação, pela preservação da espécie.

E nós brasileiros, escravos da rotina, da violência, vivendo cada vez mais em ambientes hostis, o que somos? Vencedores? Não, perdedores. Perdedores por não termos coragem de nos insurgir contra este estado de coisas. Perdedores por votarmos em quadrilha no lugar de votarmos em partido. Perdedores por elegermos ladrões, calhordas, salafrários.

Dada esta situação vale transcrever dois poemas: um de Eduardo Alves da Costa (somente um trecho), outro de Bertold Brecht.

O poema de Eduardo A. da Costa se chama "No Caminho com Maiakovski", do qual reproduzo a seguinte parte:

"Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada."

O segundo, "Primeiro levaram os negros", de Eugen Bertolt Friedrich Brecht, diz:

"Primeiro levaram os negros.

Mas, não me importei com isso.

Eu não sou negro.

Em seguida levaram alguns operários.

Mas, não me importei com isso.

Eu também não sou operário.

Depois prenderam os miseráveis.

Mas, não me importei com isso.

Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados.

Mas, como tenho meu emprego

Também não me importei.

Agora estão me levando.

Mas, já é tarde.

Como não me importei com ninguém,

ninguém se importa comigo."

Até quando não diremos nada? Até quando não nos importaremos com ninguém? Até quando vamos deixar que muitos cearenses morram na miséria? Até quando vamos eleger energúmenos para nos governar?

O Gavião é muito mais digno de admiração, que nós brasileiros. 

(*) Economista e professor titular aposentado da UFC

Fonte: O Povo, de 3/7/22. Opinião. p.18.

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