Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Ao reler
"Gente Pobre", de Dostoiévski , vi-me com 13 anos, numa casa simples
em Messejana. Havia um caixão na única sala da casa e
muita tristeza. Era a mãe de um amigo, que não vejo há tempos. A casa tinha
somente um cômodo. Sentamos eu, ele e dois outros amigos de infância, os quais
faleceram há pouco mais de um ano, infelizmente, juntos como nasceram, vítimas
da Covid. Velamos o corpo durante toda a noite. Tudo só não foi pior devido
à solidariedade dos vizinhos, que abrandavam a cada
instante a sensação de solidão e desespero. Era para nós como se fosse o fim!
Quase uma
década depois assisti a morte do meu pai, da dor no peito ao edema pulmonar e, enfim, à morte, foram pouco mais de duas
horas. Tudo aconteceu tão rápido, mas com imagens claras. Ele estava sereno,
apesar do intenso desconforto, pela sudorese e falta de ar. Pouco antes de
perder a consciência, disse-me com os olhos que estava na hora e nada devia ser
feito. Assim aconteceu...
Durante muitos anos
essas imagens me retornam, assim de um jeito tão atual, que me traz a mesma
sensação.
Na época já
era quase médico. Ainda não imaginava que com o passar do
tempo iria presenciar tantas cenas como aquela. De qualquer forma, ficou um
pedaço da minha alma, ali!
Ser médico é
assim, vamos acompanhando e somando nossos mortos.
Não é de todo
ruim, já que nos permite uma vida diferente, uma percepção de valores que
transcende o tempo em que vivemos, e, deixa claro a nossa finitude.
Encarar o
sofrimento humano é cada vez mais agudo. As lembranças de cada casa que
visitamos, dos olhares de desespero e da dor, nos traduz a história humana e suas múltiplas contradições. Da alma capaz de alegrar-se e sofrer
ao mesmo tempo. De sorrir quando a dor interrompe, em cada ato. No dizer
"Dr. quero viver mais um pouco, para meus filhos criar, quero ver meus
netos", o último resquício de esperança.
Assim,
instauramos nossa, ou pelo menos a minha e de alguns, angústia com o sofrer. E
como adormecer em paz?
Agora entendo o
que dizia meu avô, José Martins, "descansar, somente na eternidade".
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 27/02/2023. Opinião. p.19.
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