Por Izabel Gurgel (*)
Uma amiga do Acre usa como mantra "Serenai, verdes
mares". Está no comecinho de "Iracema, lenda do Ceará". Mantra,
sabemos sentindo, feito samba, convoca repetição. Serenai, serenai. Em onda.
Tem um painel marítimo de Zenon Barreto no Benfica, em Fortaleza. O
mural com jangadas ao mar é de 1965. Pastilhas de porcelana, tons de azul e
branco, 8,20 x 5 metros, na fachada do Museu de Arte da UFC, o Mauc. A pé, de
bicicleta, moto, carro ou ônibus, quem passa pela 13 de Maio na direção
Leste-Oeste, ali no cruzo com a Universidade, prestando atenção, vai ver as
embarcações em movimento. As jangadas parecem vir em direção à praia. Cinema no
espaço urbano. Vá devagar.
Conheço quase nada do trabalho do artista Gilberto Cardoso. Posso
morar nos desenhos nas dunas feitos pelo vento, o ar em movimento. Obrigada,
Gilberto. Outro dia, falei do seu trabalho para o Diego de Santos. Na paisagem
dos nossos olhos - e a gente olha com o corpo todo -, Diego diz, silenciosa e
seguidamente, da nossa ruidosa e repetida relação predatória, por exemplo, com
o mar à vista.
Acabei de lembrar de aquarelas da Nícia Bormann. Prainha, Iguape
como jamais se realizarão. Fica no nosso para sempre, como os Mucuripes
guardados na fotografia por Chico Albuquerque.
Pensei também na casa de uma senhora de Umirim, a olhar dos altos o
mar em Beberibe. Estive lá. A casa tão concreta quanto a história que ela me
contou anos depois. Definido o lugar da construção, um senhor do lugar lhe disse
que o mar levaria a casa. Ela perguntou quanto tempo o mar levaria para,
digamos, realizar aquele destino. "Vinte anos". Vinte anos demoram
tanto a chegar... O mar a ir e vir, não há sinal da casa.
Vejo Tatajuba em "Vilas volantes: o verbo contra o vento".
O doc.miragem de Alexandre Veras é de 2005. Inspira-se na dissertação de
mestrado, de mesmo nome, do poeta Ruy Vasconcelos. Narrativas de lugares
moventes, como escuto de rendeiras do labirinto, em Canoa Quebrada. Da casa
onde mora, Aldísia Pereira dos Santos, a Babai, ela me diz que é bem a quarta
que fez. O mar engolindo e indo, lindo. Tocada pela ação do vento, Tatajuba
migra como migramos cada qual. Às vezes, sem prestar atenção. Nos Camocins,
experiências de litoral e vida junto às águas sem jangada, a embarcação sempre
associada aos mares do Ceará. Mundo mar. Sempre outro.
Naiana Magalhães tem uma linha de trabalho na qual investiga,
experimenta camadas do tempo no cotidiano junto à "natureza tão selvagem
que é o mar". Para saber "o que acontece" depois que a
embarcação sai, acompanhou pescas. "No alto mar, parece que o tempo se
alarga". Navegou com Cláudio e Salete em Guajiru, Trairi, litoral oeste do
Ceará. No litoral leste, com a família de Sidnéia, com Seu Nô e Dedé na Praia
da Redonda.
"Sombra do Tempo" é um vídeo de título biográfico. Da
primeira vez que o pai dela subiu na jangada, mergulhador na década de 1980,
perguntou aos pescadores sobre as sombras no mar. "É a sombra do
tempo", ouviu sobre o rastro das nuvens nas águas. Naiana nos oferece,
também, na pele de prédios à beira-mar de Fortaleza uma projeção das imagens
que captou nas navegações. Deu ao vídeo o título de Risca Delirante.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 28/05/23. Vida & Arte, p.2.
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