Por Izabel Gurgel (*)
O Aluá é dos "refrigerantes naturais" de Fortaleza que
"sumiram de todo", escreve Edigar de Alencar (Fortaleza, 1901 - Rio
de Janeiro, 1993) sobre a bebida fermentada: "Aluá é feito com milho e
rapadura principalmente. Mas pode ser feito com abacaxi ou com côco-babão ou
ainda com arroz. A rapadura é indispensável. Açúcar não vale. É a melhor bebida
refrigerante que se pode ingerir, mesmo sem gelo. Diurético e inofensivo, mesmo
de um dia para o outro, quando o sabor levemente azedo o torna ainda mais
excelente. (...) Sua preparação exige cuidados especiais. Vazilha de barro,
antecedência mínima de dois dias e muita mexida. Há quem somente adicione o
tempero (gengibre, cravo, etc.) quando o aluá está doirado e cristalino, em
condições de ser servido". Trecho de "Aluá e outras gostosuras
líquidas", do livro "Fortaleza de ontem e de anteontem", Edições
UFC, publicado em 1980.
Aluá, você e eu sabemos, também pode ser feito de pão. Experimentei
uma variação tendo o gengibre como base da fermentação. No mesmo texto, Edigar
de Andrade registra outra bebida fermentada presente em priscas eras na cidade:
"Nas primeiras décadas deste século eram comuns em Fortaleza as garrafas
(botijas) de um refrigerante fermentado - gengibirra - cuja base como se deduz
da denominação era o gengibre. As garrafas bem arrolhadas e com as rolhas
fortemente amarradas com barbante, estalavam ao ser abertas como as de cidra e
champanha. Era bebida popularíssima, pelo preço inclusive, e conhecida também
como 'cerveja de barbante'".
O primeiro livro de Edigar de Andrade é de poesia, publicado em
1932 no Rio de Janeiro, para onde ele havia se mudado. O título tem palmeira:
"Carnaúba". Salto direto do livro para experiências de jardim em
Fortaleza, quase tão invisíveis hoje, como o aluá e a gengibirra.
Os pátios internos do antigo Seminário da Prainha, no cruzamento
das avenidas Dom Manoel e Leste Oeste, guardam jardins. Entramos por acaso, um
amigo e eu, em busca da cantina, com silêncio, vazio e brisa, que a memória
registrava do lugar antes da pandemia. Não sei de quando é a reforma que
separou a faculdade de Filosofia e Teologia da área da Cúria Diocesana, antes
integradas. Tem biblioteca, capela e abundância de céu sobre espaços vazios.
Amplitude e tempo são um luxo em qualquer época. Com o fim do período letivo, a
cantina não está aberta. Pequenos encontros nos caminhos cruzados nos
reabasteceram: a professora Cassundé a caminho da Igreja da Prainha, onde
registra intenções de missa depois de anos e anos anotando diários de classe de
suas turmas anuais de matemática no Colégio Marista; a servidora do Divino, que
vai a cada semana fazer o Terço da Misericórdia às 15h, a nos acolher com
cafezinho e chá na sacristia; os mundos vegetais.
Penso no bosque do Paço Municipal, nas áreas da Catedral. Está na
passagem do Pajeú, o caminho d´água de nome indígena a nos dizer da presença, a
bem dizer, de uma biblioteca de palmeiras. Entre Dom Manoel e 25 de Março,
beirando os começos da Torres Câmara, tem o Parque Pajeú, a convocar cuidados.
Seriam uma trindade benta, campo de outros seres e modos de vida, no meio da
cidade. Somos menos sem eles.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/06/23. Vida & Arte, p.2.
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